terça-feira, 26 de outubro de 2010

UM CONTO DE NATHANAEL RODRIGUES JÚNIOR O BILLY (1970-2006)



A VELHA CASA DA COLINA

Acerca-te do quarto, olha o seu leito, já e só um fantasma ali estendido que,
ao cantar da cotovia, terá partido. (...)
                                                               (Canção antiga),

Era o ano da graça de 1348 . A peste negra assolava a cidade de Florença. Corpos eram empilhados em praça publica e queimados, formando uma tétrica imagem de crânios, com seus miolos borbulhando feito caldeirão de uma cozinheira, levando até províncias mais longínquas o fétido cheiro de morte. Vivíamos isolados em nossa vila havia alguns meses. Tínhamos pouco contato com o mundo lá fora, e eu, descrente de que pudesse ser vítima de doença tão mortal, certa noite, resolvi transgredir as leis locais e pulei o muro para ver um pouco do que estava acontecendo nas redondezas. Então tive vontade apenas de caminhar, caminhar além dos limites da cidade... quem sabe encontrar alguém novo para conversar, quem sabe até uma bela companhia e dedicar-lhe alguma trova de maior encontro e conquistar seu coração que não foi envenenado pela peste.

Segui uma trilha tortuosa que parecia não ter mais fim, pois, até onde meus olhos alcançavam, ia dar muito além das montanhas. No meio do caminho, um homem vestindo andrajos parou-me:

_ Aonde pensa que vai, garoto? A morte está por toda parte, não se arrisque por ai à noite, pode ser perigoso! _ alertou-me com seus olhos esbugalhados, talvez de fome, ao que retirei do bolso algumas moedas e lancei-as no chão.

_ Pegue, mendigo. Precisas mais do que eu.

O homem partiu, talvez murmurando alguma praga e eu segui sem rumo, apenas pelo simples prazer de quebrar a monotonia de meses vivendo naquela vila, afastado de novos rostos, isolado da humanidade.

Levei comigo um alforje e algumas especiarias: um queijo, alguns biscoitos e uma pequena ânfora contendo o mais puro néctar das uvas de Florença; ousadia dos mais jovens, enfrentar o perigo no meio da escuridão da noite, numa época em que milhares de vidas dia após dia eram ceifadas sob o sinistro estigma da morte. Porém, graças ao Senhor, nada me aconteceu, apenas passaram por mim alguns guardas que indagaram para onde eu estava indo, ao que eu simplesmente respondi Voltando para casa.
Havia também os horrores da guerra.

O amanhecer logo chegava e, com ele, o céu, aos poucos, estava passando de leves tonalidades azul-escuro para azul-claro e, enfim para um avermelhado quase alaranjado, denunciando que aquele seria um dia quente.

Dei mais um gole em tão saboroso vinho que trazia em meu alforje e, erguendo a cabeça, pude sentir a brisa da manhã tão pura e próspera, como havia muito não sentia.  Foi então que, me percebendo do lugar, pude, ao longe, avistar uma pequena colina suportando em seu cume um tosco casebre de alvenaria. Chegando mais perto, pude perceber que os fundos da casa estavam exatamente na minha direção. Mais abaixo, havia uma pereira, e nela se balançava uma garotinha, de vestido vermelho e louros cachos que mais pareciam dourados anéis, os quais esvoaçavam ao ritmo do balanço. Aproximei-me, apenas acenei sem nada dizer e, então, logo que a menina me viu, gritou: Mama, tem um moço aqui fora!

Quem é? Gritou outra voz vinda de dentro da casa. Mas a menina, que tinha numa das mãos uma boneca feita de espiga de milho, correu escada acima, batendo a porta dos fundos sem olhar para trás. Senti-me constrangido. Acho que assustei a garotinha!, pensei, perplexo. Não demorou muito para que surgisse no alpendre a figura de uma mulher aparentemente de meia-idade. Certamente era a mãe da menina, já a segurando nos seus braços volumosos.

_O que quer, signore?

_Estou apenas de passagem... vim visitar alguns amigos aqui por perto e resolvi parar aqui um pouco para descansar.

_Venha! Suba até aqui! Estou acabando de pôr a mesa para o desjejum, venha!

Nunca esperaria encontrar gente tão hospitaleira, afinal não carregamos o sinal da peste marcada na testa...

A cena era trivial, porém tão harmoniosamente singela que já havia se perdido em minha memória.

_O senhor deseja uma caneca de vinho? _ perguntou-me a senhora, amistosamente.

_Bem... durante a viagem, vim bebendo aos pequenos goles, mas aceitarei um pouco, mais por cortesia de tão sincera acolhida.

A mulher serviu-me e eu fiquei encostado na soleira da porta, com uma das mãos apoiadas no batente e a outra segurando a caneca. De um cômodo adjacente surgiu aos meus olhos a mais bela figura que já vi... uma menina aparentando ter uns dezesseis ou dezessete anos, de longos cabelos castanho-claros, vestindo um longo camisolão branco, de pés descalços e olhar tímido. Não havia se apercebido de minha presença ali e, olhando-me timidamente, cumprimentou-me em voz baixa:

_Como vai, signore?

_Vá colocar uma roupa decente menina! Não vê que temos visita?
_bradou a mãe, meio desconfiada com a subida aparição da filha.
_Essas moças... são tão descuidadas... mas Manuela é uma boa filha.

_É a evolução da idade minha senhora...os jovens são descuidados por natureza...

_Também por ser jovem, és descuidado às vezes?

_Às vezes, como disse a senhora, às vezes...

Subitamente, pela porta da frente, entrou um homem alto, meio barrigudo, de roupas rústicas, segurando um enorme chapéu preto numa das mãos e, na outra, segurando pelos pés, uma galinha morta, degolada há pouco.

_Ah! Este é Giuseppe, meu marido.

_Como vai, signore?

Quando fui responder, sua esposa respondeu por mim antes:

_Este jovem passava por aqui e, como estava só, de passagem, chamei-o para um desjejum.

Pensei que o homem fosse não gostar muito da minha presença ali, mas logo vi que todos ali eram gente hospitaleira e, após colocar a galinha sobre a pia e lavar rapidamente as mãos num balde ao lado, convidou-me para sentar à mesa.

_Não, não, já estou partindo, mas agradeço o convite.

De repente, surgiu novamente a figura diáfana e delicada de Manuela, agora trajando roupas decentes como exigiu sua mãe. Antes que ficasse encantado demais com a presença de tão bela moça, decidi partir, enquanto a pequena que antes brincava no balanço agora se fartava de pão, deixando as migalhas caírem aos montes no chão.Repentinamente a menina virou-se em minha direção e olhou-me  com seus olhos graúdos e tão verdes como uma campina, que me deixou, não sei explicar como, num estado de felicidade nunca antes sentido, de paz e união familiar que eu vi tão harmoniosamente composto. Queria ser um mestre pintor para retratar aquele momento único, para toda a eternidade...

Todos estavam à mesa, Giuseppe na cabeceira, como deve ser o lugar do chefe de família, a mãe à direita e, do lado oposto, à esquerda, estava a doce Manuela, com a pequenina ao seu lado. Agradeci a hospitalidade de todos e, ao virar-me para seguir meu rumo, Giuseppe falou em voz alta ainda com a boca cheia de pão:

_Não! Nunca entre numa casa por uma porta e, ao partir, saia pela mesma. Não é de bom agouro! Vá pela porta da frente, que é entrada de toda gente de bem!
Ah! Esses camponeses e suas superstições! Pensei. Sem contrariar a ordem do patrono da casa e, mais uma vez, despedindo-me, virei-me e desci uma pequena escadaria de madeira. Olhando à minha direita, um pouco ao longe, pude ver a pereira e o balanço, que aguardava solitário pela volta da pequena de olhos graúdos e esperançosos exprimindo tantos sonhos que só é dados aos anjos o dom de exprimi-los. De repente, à minha esquerda e adiante, em um lugar que não pude ver na minha chegada por estar fora do ângulo onde me encontrava, espantado, vi quatro cruzes alinhadas lado a lado e um pequeno canteiro de flores amarelas ao pé de cada sepultura. Em volta, havia uma gramínea de um verdejante tão vivo que até parecia ser primavera em pleno outono. Em cada cruz, havia uma plaqueta pregada com os nomes de a quem pertenciam, mas não ousei lê-los... Uma, em particular, chamou-me a atenção: possuía atada em seus braços com um rosário de contas uma tosca boneca feita de espiga de milho, já desgastada pelo tempo. Meus olhos marejaram ao passo que, caminhando mais um pouco, senti uma louca vontade de olhar para trás. Contudo, pensei Não é de bom agouro olharmos para as coisas que deixamos no passado, mesmo que esse passado seja recente! E parti, sem nunca mais voltar àquele lugar.

                               Extraído da coletânea de contos BRAINSTORM/Andross Editora 


terça-feira, 12 de outubro de 2010

ON THE ROAD (DICA DE LIVRO)


On the Road (Pé na estrada em português) é considerado a obra prima de Jack Kerouac um dos principais expoentes da Geração Beat estadunidense, sendo uma grande influência para a juventude dos anos 60, que colocavam a mochila nas costas e botavam o pé na estrada. Foi lançado nos Estados Unidos da América, pela primeira vez em 1957.

Responsável por uma das maiores revoluções do século XX, On the Road escancarou ao mundo o lado sombrio do sonho americano a partir da viagem de dois jovens – Sal Paradise e Dean Moriaty – que atravessaram os Estados Unidos de costa a costa. Acredita-se que Sal Paradise, o personagem principal, seja o próprio Jack Kerouac. 

Também são encontrados no livro alguns escritores na forma de personagens, como Allen Ginsberg, como Carlo Marx, e William Burroughs, como Old Bull Lee.

É um livro que influenciou a música, do rock ao pop, os hippies e, mais tarde, até o movimento punk.


Em 2003, o escritor Dodô Azevedo e a fotógrafa Luiza Leite refizeram a rota percorrida por Kerouac e produziram um livro onde avaliam o legado da obra do escritor para o século XXI. O Livro chama-se Fé na Estrada.
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Quando eu tive o primeiro contato com o termo Beat foi por meio das músicas e textos referente as bandas de Rock americanas do final dos anos 60, como por exemplo, a banda The Doors, a qual sempre fui muito fã, e em sua biografia  seu líder, o vocalista e letrista Jim Morrison cita On the Road de Kerouac tal como o poeta  Willian Burroughs, entre outros.

Eu tinha 17 anos e sempre fui fã de música e de qualquer literatura referente a esse assunto. A minha curiosidade sobre o livro de Kerouac foi crescendo na medida em que, por meio dos meus ídolos juvenis, via On the Road como grande influência para esses ídolos serem o que foram.  No Brasil, músicos célebres, como o rockeiro Renato Russo, se diziam fã deste livro magnífico:

"Talvez tivéssemos, teríamos tido, tivéramos filhos/Estava lhe ensinando a ler
On the road e coisas desiguais"
 
(Trecho de La Nuova Gioventú música de Renato Russo)

Os anos se passaram e agora aos 31 anos tive o previlégio de ler On the Road e entendi o porquê este livro influênciou tanta gente e me perguntei o por que não o li antes? Pois bem, apesar da demora achei muito positivo poder o ler com uma certa maturidade, pois a mensagem de liberdade e aventura que ele nos traz faria com que eu ignorasse tudo e a todos naquela época e literalmente fizesse com que eu metesse os pés na estrada sem olhar para trás. 

Comprei uma edição em forma de livro de bolso da editora L&pm com tradução de Eduardo Bueno que conta também a sua aventura em traduzir este livro para a língua portuguesa nos anos 80 em um belo postácio. 

O livro me envolveu tanto que um dia o perdi no meio do caminho de casa, após o trabalho, e no outro dia imediatamente comprei outra edição para ler de onde eu tinha parado. O herói do livro, Dean Moriaty, é uma figura tão emblemática que no decorrer de minha leitura o imaginei com a fisionomia de um Jim Morrison misturado com James Dean.

Esse, sem dúvida nenhuma foi o livro o qual ao chegar próximo ao fim fui diminuindo a velocidade e a regularidade da leitura com medo de terminá-lo e por fim, terminar uma viagem que desfrutava sempre quando no trem ou no mêtro seguia, hora a caminho do trabalho, hora à casa de minha namorada.

On The Road é um livro para espíritos livres que acreditam que as experiências humanas devem ser exploradas para o crescimento pessoal e intelectual de cada ser.



QUEM ME DERA


Queria eu ter sido um Chico,
Ou Drumond de Andrade,
Tomado uísque com Leminski num final de tarde.
Um Pessoa como Neruda,
Ter tido a delicadeza de Meireles,
Escrever como quem pede música,
Tal qual um João Ricardo.

Andar pelas ruas de Paris,
Discutindo com Sartre sobre os ares de nossos Brasis.
Queria eu ser um eterno jovem como Castro Alves.
Ter a rima na ponta da língua,
Criando versos em prosa em toda praça e jardins.

2007

O QUE PERSISTE

Se não sou mais o suficiente,
Se meu amor já não te agrada,
De certo o calor se apagou,
E não devemos alimentar velhas chagas. 

Se não caibo mais neste seu mundo,
Se não há lugar para mim agora,
Não sou homem a quem se deva ter piedade,
Posso tranquilamente ir-me embora.

Não se torture e procure o que te falta,
Mas não me deixe sentado em sua porta,
À espera que eu compreenda tal ilógica,
De sustentar este sentimento tão vazio.

Por favor, olhe em sua volta,
Sei que aqui você é feliz,
Mas ao meu lado isto te sufoca.
Talvez eu já não te preencha mais com este meu coração tão pertinaz.

26/10/2006

UMA ÚLTIMA CANÇÃO ROCK AND ROLL

Ele calçou seus sapatos bico de aço pela ultima vez,
Vestiu aquela jaqueta de couro desbotada preta, há tempos pendurada no
Cabide, e na velha vitrola, rolava um rock and roll tal qual Little Richard.
Tomou sua aguardente e disfarçou um sorriso contente;
Pos uma boa dose de parafina nos topetes.
Na escrivaninha onde ficavam os seus manuscritos, tomou de assalto um velho mapa para as colinas.

Ele estava tranqüilo, mascava chicletes, seu olhar estava fixo para uma fotografia do Elvis e então acendeu um ultimo cigarro antes da partida. Abriu uma garrafa de Jack Daniel’s já antiga e ofereceu aos amigos um ultimo brinde.
E Billy partiu sem olhar pra traz, havia deixado ali e para sempre todo aquele desgosto que sentia pela vida.

A Nathanael em memória
2006

O PRIMEIRO GOLE DO MEU PRÓPRIO VENENO













Escrevo em versos,
Meus anseios pequenos,
Minhas idéias vagas,
Todo o tipo de sentimento.

Escrevo com a força da palavra,
Minha melhor ferramenta,
Minha mais potente arma,
O meu pensamento.

Escrevo com apreço,
Tudo o que meus olhos vêem,
Tudo o que me convém,
Aquilo o que é real e o meu coração sente.

Escrevo ansioso,
Sem medo,
Mergulho,
No Primeiro gole do meu próprio veneno.

2006

CRIAÇÃO DIVINA II

Feche os olhos,
Sinta a brisa que há,
Agora abra-os e veja,
Os desenhos simétricos que compõem o mar.

2006

TRIBUTO À MEMÓRIA CURTA

Sons,
Ruídos,
Tudo em um segundo.

Explosões,
Ruínas,
Tudo em um minuto.

Sangue,
De tudo que é gente jorra,
Em menos de uma hora.

Guerra e atentados,
Mortes e tudo o que é insano,
No intervalo de um ano.

Tempo!
Dias a fora,
Em apenas uma década tudo vira história.

2006

II

Morcegos negros                                                                                                          
 “Citação ao livro morcegos negros de Lucas Figueiredo”.

O cigarro queimava no cinzeiro,
A sensação de leseira lhe tomava o corpo,
Seu copo de uísque Já ao meio,
Generosas gramas de pó no espelho;
E os seus pensamentos, ainda que lentos, vigoravam.

A reunião passou para um estado lânguido e tenso,
Os olhares avermelhados de cansaço e as vozes hora graves tornaram-se roucas.
Às vezes o silêncio bradava ao esquecimento.

Linhas e linhas são escritas em ata sublime,
Registro longo em uma tortura árdua,
Nos bastidores do poder conspiravam ao crime,
Gente graúda de cara limpa deixava pendurada as suas mascaras.

Dinheiro e poder,
Combinação perigosa,
Drogas,
Lavagens,
Esconderijos fiscais,
Viagens,
Propina!

Não era um mero factoide desnecessário,
Mesmo que muito se abafava.
Era algo além e aquém do que a corrupção que rolava,
Eram indícios de controle de pura máfia.
(Ingenuidade era só dos caras pintadas)
  
Houve assassinatos,
Queima de arquivos,
Muita sujeira no país do carnaval!
Vistas grossas no reino do futebol.

Você já se pôs a questionar,
o quanto não sabemos?
Você já tirou alguma estimativa
Do quanto nos foram roubados
Em todos estes anos?

Nos bastidores é que estão os verdadeiros donos,
Enquanto não passamos de números.
É por de baixo dos panos!
Sempre será.

Cultura às avessas,
Eterna inversão de valores,
Éticas desonrosas,
Ignorância pouca?

A reunião então chegara ao fim,
Com uma farta partilha de um nobre queijo de dólares.

2006

ABSTINÊNCIA

Às vezes não nos controlamos,
Nossa calma é interrompida,
Nossa serenidade desmedida,
E jogamos fora todas as regras.

Às vezes doe a cabeça,
Tão circular e espessa,
Nossos nervos ficam a flor da pele,
E os nossos poros não aceitam, repelem.

Nossa boca fica seca,
Nosso peito cheio de anseio,
Ficamos ansiosos e inquietos.
Procuramos fuga em ruas sem saída.

É como sustentar uma ferida,
Com cortes em doses homeopáticas,
É descontentar-se e sentir fadiga,
E não suportar olhar a própria face.


2006

ADMOESTAR


















Como é lento este seu pensamento!
Não avança se cansa rápido,
Como é fraco, retardado.

Como é impreciso este seu sorriso,
Tão escuso e amarelado;
Pare com este discurso, ultrapassado.

Mude estes seus trajes,
Faça um novo penteado,
Não fique ai sentado.

Fale alguma coisa,
Deixe de ser tão calado,
Pautado.

Seja transparente,
Ninguém aqui entende,
Este seu jeito recatado.

Pare de se sentir culpado,
Todo mundo aqui esta errado.
Não seja assim demasiado, disfarçado.

Não deixe sua vida desmedida,
Não a interrompa apenas com uma vírgula,
Tenha sobre ela cautela e muita critica.

2006



CÁSSIA SEMPRE CÁSSIA


















Eu não sabia que naquele dia eu te encontraria,
Foi assim por acaso, realmente não estávamos preparados 
Sua ternura atrás daqueles olhos perdidos,
Toda aquela timidez,
Eu não sabia, se não a diria, o quanto você significou em minha vida.

Naquele pequeno instante eu entendi,
Que quem estava ali era um tanto menor 
do que a gigante que em seguida se ergueria naquele palco.
Mas as luzes se acenderam e seu nome anunciado, 
as nuvens se abriram e então sua voz soprou feito um trovão.

E em pouco tempo todo aquele ambiente se encheria de música e delírio!
Uma deusa andrógina tomava conta, tornara minúsculo aquele imenso palco!
Cássia sempre Cássia,
Um estrondo, uma tormenta, um furacão
que passou tão depressa e surpreendente como um incêndio!
Tomando para si toda a poesia da nossa música.

03/08/2006


SONHO INDIANO














O vento soprava de leve a vela do castiçal,
E ela perambulava nos corredores de vestido longo indiano,

Na sala ela dançava, ao som de cem cítaras e
mil batidas de tablas.
“Era assim que se iniciava o dia daquela menina meio hindu”,

Com música e dança!
Havia incensos espalhados, no chão almofadado,
Alguns lírios, taças e fumos,
Havia em todo o recinto pétalas de rosas vermelhas.

E ela então deslumbrava em delírio e veemência aos olhos de quem a fitava inertes.
Uma deusa tentadora de desejos alheios, uma mistura de cigana indiana com princesa africana.
Beleza rara nunca antes visto, a não ser em tentadores sonhos.

27/07/2006


POBRE POEMA



















Pobre triste poema que se inicia
Onde nos remete ao obscuro vácuo do silencio.

Poema de despedidas,
Poema de desilusões,
Amores partidos,
Traições.

Amores secretos, amores mortos,
Amigos mortos,
Parentes.
Poema, narrativa dor, pobreza,
Poesia sem rima,
Palavras tensas.

Pobre poema que degela o peito,
Segredos,
Petrifica a alma.
Poema triste, fora de seqüência,
Poema tolo.

Arrependido, louco,
Poema fraco solto,
Poema sem luz,
Fosco.

Poema cuspido,
Empalhado,
Inerte,
Tal qual santa no altar.

Poema sujo,
Flagelado,
Mudo,
Calado!
Poema corrupto,
Poema triste de dar dó,
Poema franzino,
Rasgado.

Poema em trapos,
Farrapos,
Estilhaços,
Quebrado!

Poema,
Sem vergonha,
Amontoado,
Fatídico!

Poema sem lustre,
Manchado,
Mofado,
Fedido.

Poema fétido,
Derramado,
Escoa na folha
Ferido.

19/07/2006

NOTÍVAGO





















Quero cantar-te ó noite fúnebre;
Saudações de seu discípulo noturno!
De seu mais célebre e soturno,
Entre a minha sordidez, meus pensamentos pagos,
Por migalhas deixadas por escravos vagos.

Quero sucumbir-me entrelaçado em sua brisa fina,
Vagar nas calçadas da cidade fantasma,
Espantar dos telhados seus gatos sádicos,
E ter nos becos, sabedoria, com os teus ratos.

Quero ver-te ó lua meia, ontem, ainda cheia,
Agora um buraco no vácuo.
Quero ver-te estrelas guia,
A cidade baixa se ilumina,
Com as suas luzes cintilantes.

Quero não sonhar esta noite,
Não ter com os seus pesadelos.
Ouvir o murmúrio de mendicância ecoando de teus
guetos, desvendar aos poucos os teus segredos.

Quero ver minha sombra de subúrbio,
Assustando, pichadores surdos,
Assaltantes burros,
Atrás de cada poste.

À meretriz vou dedicar um soneto,
Para a cafetina um café pequeno.
Para o guarda um cachorro quente,
E ao mendigo, um gole de aguardente.

2005

MODÉSTIA

Todo poeta é incompreendido,
E eu não sou uma exceção,
Todo poeta é metido,
Porque todo poeta é bonito.

Todo poeta é romântico,
Boêmio, nada tímido,
Todo poeta é sábio,
Porém desorganizado.

Todo poeta deslumbra,
Todo poeta é saudosista,
Irrita-se com a monotonia,
Mas adora o ócio.

Todo poeta é um pouco músico,
Excêntrico, libidinoso,
Todo poeta é curioso,
Não é nada óbvio.

Todo poeta assim como eu desfruta da habilidade de poetizar, até o que não se valoriza.

14/07/2006

PARA ALGUNS PAULISTANOS



















Vedes o que ali reside,
Um hóspede indesejado,
Um transeunte do passado,
Querendo erguer-se as nossas custas.

Vedes um vagabundo,
Não possui nenhum vintém,
Um João ninguém,
Metido a turista.

Vedes, e não duvide, aquele ar de requinte é só um disfarce,
Um plebeu vestido de príncipe,
Um nobre fracasso,
De nenhum palácio.

Não és nenhum general e tão pouco um soldado raso,
É um desleixo da sociedade,
Um ser fora da realidade,
Cumprindo a sentença de não ter ninguém.

Ó vida triste de quem vive apenas das aparências.

14/07/2006