segunda-feira, 5 de maio de 2014

LULA CORTÊS E ZÉ RAMALHO - PERDIDOS NO BAÚ DA HISTÓRIA (PARTE 4)

Num país sem memória como o Brasil, onde até obras essenciais de ídolos consagrados não foram reeditados em CD, não é de se estranhar que ainda estejam fora de catálogo muitos álbuns de artistas menos badalados. São discos raros, obscuros e/ou ignorados que, em seu tempo, sintonizaram a música nacional com o que estava rolando no exterior ou romperam com os padrões vigentes nas paradas. A seguir, algumas dessas jóias.

por Fernando Rosa 

Ainda em busca do sol
Lula Côrtes e Zé Ramalho - Paêbiru

A primeira vez que o Brasil ouviu Zé Ramalho da Paraíba foi na voz de Vanusa, que gravou "Avohay" no disco Vanusa - 30 Anos, em 1977, pela Som Livre. Um ano depois, já sem o "Paraíba", Zé Ramalho invadiu o cenário nacional com sua enigmática e encantadora mistura sonora. Antes disso, no entanto, tão fantástica quanto suas letras, sua história registra uma gravação que ficou perdida nos escaninhos do tempo. Trata-se do raríssimo álbum duplo Paêbirú, que ele dividiu com Lula Cortês, lançado em 1975 pela gravadora Rozemblit, do Recife (PE). Com eles, estão Paulo Rafael, Robertinho do Recife, Geraldo Azevedo e Alceu Valença, entre outros.

Clássico do pós-tropicalismo, paêbirú traz seus quatro lados dedicados aos elementos água, terra, fogo e ar. Nesse clima, rolam músicas como o medley "Trilha de Sumé/Culto à Terra/Bailados das Muscarias", com 13 minutos de violas, flautas, guitarras, rabecas, pianos, sopros, chocalhos e vocais "árabes", ou a curta "Raga Dos Raios", com uma fuzz-guitar ensandecida. E, destaque do álbum, a obra-prima "Nas Paredes da Pedra Encantada, Os Segredos Talhados Por Sumé" (regravada por Jorge Cabeleira), com seu baixo sacado de "Goin Home", dos Stones, sustentando os mais pirados 7 minutos do que se pode chamar de psicodelia brasileira.



O disco por si só é uma lenda, mas ficou mais interessante ainda pelas situações que envolveram a sua gravação. A gravadora Rozenblit ficava na beira do rio Capiberibe, e o disco foi levado por uma das enchentes que assolaram a região. Conta a lenda que sobraram apenas umas 300 cópias, hoje nas mãos de poucos e felizardos colecionadores, muitas das quais no exterior, onde foram parar a preço de ouro. Contando com a co-produção do grupo multimídia (quando essa palavra nem existia) Abrakadabra, o álbum trazia um rico encarte, que também sucumbiu ao aguaceiro.



Hoje item valioso no mercado internacional de raridades psicodélicas, o trabalho segue misteriosamente inédito no mundo digital brasileiro foi lançado lá fora e é possível encontrar em CD importado ou em arquivos para download na internet. Paêbirú, que quer dizer "o caminho do sol" para os incas, poderia ser o primeiro de uma série de raridades a ganhar a luz do dia, para ocupar uma fatia de mercado que, se pequena comercialmente, é fundamental para a preservação da cultura musical brasileira.
Fonte: revista Show Bizz edição 182 - Ano 15 nº9 - Setembro de 2000, velhos recortes de meu arquivo pessoal e Google.


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