quinta-feira, 7 de julho de 2016

LOBÃO - O RIGOR E A MISERICÓRDIA - O ROCK INDEPENDENTE BRASILEIRO ESPECIAL (PARTE 17)





















Eu criei essa série sobre o cenário do rock no underground brasileiro, em primeiro lugar por ser um entusiasta e incentivador, acredito no potencial do estilo no país. O rock nacional cada dia mais está evoluindo, marcando com uma personalidade própria, de linguagem, musicalidade e atitude, numa mistura de estilos o cenário independente. São uma infinidade de bandas e músicos fazendo um som de muita qualidade, com profissionalismo e competência, dignas do que é feito há tempos fora do país. 

O rock no Brasil já esteve no olho do furacão do mainstream, principalmente na década de 80, bandas que hoje já podemos considerar clássicas, tentaram traduzir para a nossa realidade o que estava sendo feito no exterior e formaram uma legião de fãs que cresceram ouvindo bandas expressivas como Barão Vermelho, Camisa de Vênus, Legião Urbana, Engenheiros do Hawaii, Ultraje a Rigor, Capital inicial, RPM, Titãs, Os Paralamas do Sucesso e etc. Muitas destas bandas ainda estão na ativa, raras são as que ainda conseguem estar em evidência no mainstream, e o rock então voltou para o seu estado puro, que é o do underground. Alguns acreditam que o estilo voltou para onde nunca deveria ter saído, não concordo, acho que num país tão plural como o Brasil (o Brasil do Rock in rio), o estilo não deveria ser abandonado pela grande mídia da forma que vem sendo abandonado, ninguém na área musical é relógio para trabalhar de graça, e cultura de massa pode muito bem sobreviver se empresários, meios de comunicação e até o governo acreditar um pouco mais em seus artistas, não falo apenas em nome do rock, mas de muitos artistas e compositores de música brasileira, que vivem de pequenos circuítos da noite das grandes cidades. 

O rock nacional não nasceu nos anos 80, aqui neste blog tento resgatar nomes que caíram no limbo da história e outros que marcaram profundamente a nossa música, e um exemplo de artista, que começou menino, ainda na década de 70 como baterista, que marcou e ainda faz muito barulho com sua música e atitude, foi o multi-instrumentista e compositor Lobão. Antes do baterista Lobão ter se tornado o astro Lobão, ele tocou em projetos importantes que lançaram muita gente boa no mercado, como por exemplo a banda progressiva Vímana, onde tocaram músicos importantes como Lulu Santos e Ritchie. Depois ainda ajudou a fundar a banda BLITZ com Evandro Mesquita, o resto é história. 

A esta altura o leitor deve estar se perguntando, se essa série é destinada a divulgar artistas do underground e independentes, por quê falar de um álbum de um astro como Lobão? vou falar do novo álbum do Lobão, justamente por que ele é em primeiro lugar, um álbum gravado e produzido de forma independente pelo próprio Lobão, que não contente, também tocou e gravou todos os instrumentos e escreveu todas as letras. Em segundo, ele conseguiu financiar o álbum por meio de crowdfunding, espécie de vaquinha virtual, onde os próprios fãs investem no trabalho de seus artistas preferidos, isso por si só já mostra que, apesar de muita gente hoje em dia torcer o nariz para o músico, por conta de suas posições políticas, o velho lobo é muito querido por seu público. 














Falando um pouco da discografia do músico antes de chegar ao "O Rigor E A Misericórdia", particularmente, eu fui prestar mais atenção no artista depois do lançamento de "A Vida é Doce", álbum lançado em 1999, também de forma independente pelo próprio selo do cantor "Universo Paralelo", num esquema inédito, com distribuição em bancas de jornais e lojas de departamento. Foi um sucesso inesperado de vendagem e de crítica, dando um soco bem dado no estomago das grandes gravadoras. Por isso acho importante incluir o Lobão nessa série, por que nesta época e de forma independente, o músico ajudou a lançar outros artistas como a banda Cachorro Grande, BNegão e até o mutante Arnaldo Baptista, que estava sumido do mercado fonográfico. Lobão foi um grande justiceiro da música brasileira, movimentando artistas na luta pela numeração dos CDs, e isso também é história para outro momento, é só buscarem na internet e na própria biografia do músico. Como eu disse antes, a partir de 1999, me tornei fã de Lobão, já conhecia seu trabalho anterior, já possuía alguns de seus discos de décadas atrás, e concordo com o próprio Lobão quando ele diz que, as produções de seus discos nos anos 80 eram péssimos, talvez por isso eu não tenha escutado tanto. 

Hoje acho injusto citar Renato Russo e Cazuza como os grandes poetas do rock Brasil, sem incluir o velho Lobo. Além de ser um ótimo músico e compositor, ele também é um ótimo letrista. Ouso dizer que ele é um músico até bem mais completo, do que os dois citados anteriormente. 

Meu álbum preferido até então era o "A Vida é Doce", hoje seguramente fiquei dividido depois do lançamento de "O Rigor E A Misericórdia", fora o "Acústico MTV" que chega ser um disparate de tão bom. Para mim Lobão é igual a vinho, quanto mais velho melhor. Ele veio em termos de lançamentos de álbuns, em uma crescente evolução incrível, todos os álbuns do músico tem sua qualidade, principalmente em termos de composição, quanto a sonoridade se você comparar com seu primeiro "Cena de Cinema" até o seu último, verá um salto significativo nas melodias, em sua forma de cantar e tocar os instrumentos e principalmente na produção de seus discos. Espero que ele continue se auto produzindo. 
















Vamos para o que interessa, depois de degustar o disco por um tempo, acho que estou apto para falar: o álbum começa com uma introdução instrumental de sintetizadores fantasmagóricos, chamada "Overture", para depois explodir na porrada sonora setentista, "Os Vulneráveis", com letra recheada de ironia política, com batera, baixo e riffs de guitarras a lá Led Zeppelin e Humble Pie. Em seguida uma marchinha hard rock valseada, chamada "A Marcha dos Infames", onde o cantor emposta a voz feito um Nélson Gonçalves dark. "Assim Sangra A Mata" vem suavizando um pouco o ritmo, com letra poética e lúgubre, com arranjos com violões de 12 e pianinho, que me lembrou Mutantes, uma coisa meio lúdica. "O Que Es La Soledad En Sermos Nosotros" linda balada com letra em espanhol, falando de saudade, mostrando o quanto o músico é bom tocando o violão dedilhado (influencia clássica), e um pano de fundo com uma Slide guitar, dando um ar psicodélico a canção. "Alguma Coisa Qualquer" tem uma introdução quase flamenca de violão para depois se transformar em blues rock, com muita distorção e letra de suplica de amor roqueira. Entra "Dilacerar" e ela me remete ao Lobão dos anos 80, de "Me chama", "Essa noite não" e "Chorando no Campo". O álbum segue com "Os Últimos Farrapos da Liberdade", voltando novamente para temas mais políticos, apesar de eu não achar que este álbum seja uma espécie de disco de manifesto, e sim letras sintonizadas com a realidade de seu tempo, a sonoridade é bem pop. "A Posse Dos Impostores" é uma de minhas preferidas, acho que Lobão voltou a ouvir Black Sabbath antes de escreve-la, sua bateria me lembrou muito Bill Ward e o riff de guitarra como um Tony Iommi mais cadenciado. Na acústica "Ação Fantasmagórica a Distância", novamente Lobão dá um show de arranjos de violões e violas, influência de chorinho e letra doce, poética e amorosa do jeito Lobão de ser. "Profunda e Deslumbrante Como o Sol" é outra preferida até agora, linda letra, ótimos solos de guitarra, uma bela balada progressiva. Novamente o Lobão volta ao passado com "Uma Ilha Na Lua", maravilhosa letra de amor, singela, ótima para um possível Acústico nº2. Na reta final a música "A Esperança É a Praia de um Outro Mar" é a mais radiofônica, ótima para um single, pop rock da melhor categoria, outra de minhas preferidas, adorei o solo de guitarra e os back vocals, tipo gospel de igreja americana. Fechando com chave de ouro, a faixa título "O Rigor e a Misericórdia" vem com um gostinho de quero mais, me lembrou a Legião Urbana das Quatro Estações nos arranjos, um belo final para um dos melhores álbuns de rock de 2016. Quanto a produção, para os meus ouvidos, está impecável, você ouve muito bem todos os instrumentos, guitarra, bateria e contra baixo no talo, se você é fã de rock, independente de qualquer coisa, posição política principalmente, você deve ouvir "O Rigor E A Misericórdia" e recomendo que no volume máximo de seu aparelho de som.     

      

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