quinta-feira, 23 de junho de 2016

FINIS AFRICAE, NAU & CIVIL - PERDIDOS NO BAÚ DA HISTÓRIA (PARTE 10)






Num país sem memória como o Brasil, onde até obras essenciais de ídolos consagrados não foram reeditados em CD, não é de se estranhar que ainda estejam fora de catálogo muitos álbuns de artistas menos badalados. São discos raros, obscuros e/ou ignorados que, em seu tempo, sintonizaram a música nacional com o que estava rolando no exterior ou romperam com os padrões vigentes nas paradas. A seguir, um pouco mais dessas jóias.
Por Fernando Rosa.

Finis Africae

















Finis Africae foi uma banda brasiliense que emplacou hits como "Ética", "Van Gogh", "Armadilha", "Deus Ateu" e "Mentiras". O ano de 1986 começou bem, com o lançamento de um EP, chamando a atenção de gravadoras para um lançamento posterior. A EMI-Odeon fechou o contrato com a banda e colocou o primeiro LP nas prateleiras, no ano seguinte.

A Finis Africae surgiu em uma época que Legião Urbana, Plebe Rude e Capital Inicial dominavam o espaço na cena do rock brasileiro. Após o sucesso de "Armadilha" nas rádios, no ano de 1986, a banda continuou o caminho e conseguiu colocar no mercado um LP homônimo.

Finis Africae (lê-se africe) quer dizer, em latim, “nos limites da África”. O nome da banda foi inspirado pela leitura do livro O Nome da Rosa, do escritor italiano Umberto Eco, que dava ao principal mistério de sua saga o nome de Finis Africae. O significado do finis revelava a intenção sonora da banda, que surgiu misturando batida tribal com ritmos negros como o funk e o soul com levada de rock baseada no pós-punk inglês.

Em 1984, Brasília fervia, musical e politicamente. Incentivados pelos colegas de grupos como Banda 69, Capital Inicial, Plebe Rude e Legião Urbana, Alexandre Saffi, Neto Pavanelli, Rodrigo Leitão e Ronaldo Pereira se juntaram para tentar uma mistura de batida africana, marcação reggae e funk nas guitarras e clima pós-punk. Surgia o Finis Africae. Depois de alguns ensaios e três apresentações, José Flores (Virgem) juntou-se ao quarteto.

O show oficial de estreia foi em 14 de julho daquele ano, no Rola Pedra Etc & tal, um teatro de bolso em Taguatinga (DF). Na platéia, todo o establishment do rock brasiliense e Hermano Vianna (jornalista e sociólogo, irmão de Herbert, de Os Paralamas do Sucesso). O entusiasmo de Renato Russo, Dinho Ouro Preto e Hermano fizeram o som do Finis ecoar, já na estreia, direto para os ouvidos dos principais críticos do eixo Rio-São Paulo. Uma semana depois, o Spalt, principal fanzine paulista à época, trazia reportagem de página dupla falando daquela banda “meio Bauhaus, meio Siuxie and The Banshees, Joy Division, Cure, mas com um toque original de sotaque afro e funk”.

No ano seguinte, já embalado por shows no Rio e em São Paulo e com as músicas Ética, Van Gogh e Pânico bem executadas nas rádios Estácio e Fluminense FM, no Rio, e 89 FM, em São Paulo, o Finis estreou em disco na coletânea Rumores, lançada pelo selo Sebo do Disco. Van Gogh e Ética foram as músicas escolhidas pelo jornalista Paulo Pestana, encarregado pelos produtores Isnaldo Lacerda e José Fernandez de arregimentar os grupos. A boa repercussão do trabalho junto à crítica especializada do eixo Rio-São Paulo levou ao convite para a gravação de um EP, ainda pelo Sebo.

Em maio de 1985, divergências internas levaram Rodrigo a deixar o grupo. Já com Eduardo de Moraes veio Finis Africae, um mini-LP com seis faixas e a versão de Armadilha que foi levada à trilha sonora do filme Anjos da Noite, do estreante diretor Wilson Barros. A pedido de Renato Russo, a gravadora EMI contratou o grupo em 1987, ano em que foi lançado o LP Finis Africae, produzido por Mayrton Bahia, mesmo produtor da Legião Urbana naquela época. O disco trazia regravações de parte do repertório do EP independente e uma série de composições inéditas. Este disco vendeu 50 mil cópias e, no ano de 1987, o Finis excursionou por quase todo o Brasil, aparecendo ainda em sendo divulgado em programas de TV (Bolinha, Chacrinha, Raul Gil, Fantástico, etc). Além das entrevistas em jornais, revistas e rádios a banda emplacou um dos maiores sucessos daquele ano: Armadilha foi uma das 40 músicas mais tocadas nas rádios brasileiras.

Em 1988, Neto e José Flores saíram do grupo, retornando a Brasília. Em seus lugares entraram Roberto Medeiros (baixo), Mac Gregor (teclado) e César Nine (guitarra). Com essa formação, o Finis se apresentou até 1990, quando, temporariamente, encerrou suas atividades, retomadas em 1999.

De 1999 a 2002, por meio da Groove Produções, o Finis Africae realizou mais de 70 shows com o projeto "Anos 80 Rock Brasil", quando a banda convidava um grupo já extinto dos anos 80 para voltar aos palcos e excursionar com ela. 

Participaram deste projeto as bandas Zero, Hojerizah, Black Future, Violeta de Outono, Uns e Outros, Ethiopia, entre outras. Essa iniciativa do Finis foi certamente uma das responsáveis pela revitalização da cena musical das bandas de rock dos anos 80, que a partir de 2003 se transformou em verdadeira febre.

Em 2000, veio o CD Maxi-single, com remixagens de sucessos do Finis. Em abril de 2002, a banda lançou o CD Finis Africae ao Vivo em Brasília, gravado durante uma apresentação no Lago Sul. Logo depois, a banda encerrou suas atividades.

Em abril de 2005, a convite da produtora GRV (organizadora da Feira de Música Independente), os integrantes das duas primeiras formações se reuniram para um show histórico, em comemoração aos 20 anos de lançamento da coletânea Rumores, na Sala Martins Penna do Teatro Nacional, em Brasília, com lotação esgotada uma semana antes da apresentação, transmitida ao vivo pelas rádios Cultura FM e Nacional FM, dentro da programação da FMI. A repercussão deste show, por parte de crítica e público, levou a banda a desenvolver o projeto de um DVD, reunindo os integrantes de todas as formações e artistas convidados. Este projeto está em fase de execução.

Rock Brasília

Em 1984, o chamado "rock de Brasília" começava a invadir todas as praias e rios do Brasil. Foi neste ano que, influenciados pelo punk rock, três rapazes - Neto (no baixo), Ronaldo (bateria) e José Flores (guitarra) - resolveram se juntar para formar uma banda. Batizaram-se Finis Africae. Logo depois juntou-se a eles o vocalista Rodrigo. Em setembro do mesmo ano participaram da coletânea: Rumores, com as composições Ética e Van Gogh, que foram veiculadas por várias FMs alternativas do Planalto, do Rio e de Sampa. Em 85, saiu Rodrigo e entrou Eduardo, que além de cantar escrevia letras altamente existencialistas. Em 86, lançaram um mini-lp com seis faixas, entre elas Armadilha e Máquinas do Prazer. O impacto foi tanto que este tornou-se o único LP independente a integrar a programação das grandes FMs do Rio e de Sampa. Como qualquer outro grupo candango, o Finis Africæ é um fruto imprevisto de uma cidade planejada. 

A inquietude e a solidão compuseram um rock planaltino, rico em expressão com um mínimo de recursos, pelo menos no início. Considerados a terceira geração de músicos de Brasília, o Finis passou a infância ouvindo 0 Aborto Elétrico - gênesis da musicalidade brasiliense -, a adolescência tocando no asfalto das avenidas, e agora começa a sentir o sabor do sucesso na brisa fresca à beira-mar. O quarteto fazia a linha do romantismo melancólico - dark, como se dizia nos anos 80.O nome retoma uma língua quase morta, sugere mistério e desperta a curiosidade; além de fazer uma clara alusão ao continente famoso por ser a raiz rítmica de quase toda a percussão moderna. E as referências não param aí, pois Finis Africæ também era o nome dado ao local mais secreto do acervo da biblioteca da abadia beneditina onde se desenvolve a trama de “O Nome da Rosa”, best-seller de Umberto Eco.

Como em qualquer outra banda do cerrado, a musicalidade do Finis é basicamente intuitiva - Nenhum dos quatro integrantes estudou harmonia, composição... - , cheia de urgência. Afinal, foram naquelas terras áridas, naquele clima seco, que a semente punk londrina vicejou mais forte. A batida forte, as letras políticas e o olhar nervoso canalizaram a energia aprisionada em muito concreto, dinheiro e tédio.Ronaldo (batera experimentalista), José Flores (guitarrista zen), Neto (baixista versátil) e Eduardo de Moraes (vocal etílico) só definiram esta formação em meados de 85. Um ano antes, sem o Eduardo, já haviam se destacado entre os grupos mais novos e gravado o míni-LP Rumores. No início de 86 produziram seu primeiro mini-LP solo, em 45 rpm, que também tornou-se a primeira produção independente de um grupo de rock brasileiro a integrar as play-lists das FMs de grande audiência do Rio e São Paulo. Sucesso caminhando a passos largos, vieram para o Rio e se instalaram na casa de parentes e amigos, pois "aqui é mais fácil, estão as maiores gravadoras". explica Eduardo. O investimento deu retorno rápido. 

A EMI-Odeon contratou e eles gravaram um LP que leva o nome do grupo e o selo da qualidade. O Finis Africæ projetou-se nacionalmente. Ao vivo, o som intuitivo e intenso fica ainda mais explícito. O público variado que vai aos shows da banda raramente deixa de se empolgar com a força interpretativa dos músicos. "Tem muito coroa que se amarra em Armadilha", diz Neto.Eles não acreditam em política. Igreja ou padre - ouvi Deus Ateu, primeira música do lado A. Já Ronaldo acredita em "Nelson Rodrigues e na força do dinheiro". Um pouco menos cético o letrista Eduardo escreve nos ensaios, "depois vou mudando de acordo com o andamento".

Encerram suas atividades no início dos anos 90, entretanto, em 31 de março de 2000 voltaram com a última formação (Eduardo de Moraes, o mestre de cerimônias na voz; Ronaldo Pereira, o pulmão e a alma da banda na bateria; Roberto Medeiros no baixo, César Nine na guitarra e MacGregor nos teclados e segunda guitarra), no Ballroom - Rio de Janeiro.

OS ROMÂNTICOS DO ROCK
Por Ana Gaio

Esse ano parece estar desatinado as bandas de Brasília. Depois do sucesso de Legião Urbana, Plebe Rude e Capital Inicial, agora é a vez do Finis Africæ, que acaba de lançar seu primeiro elepê pela Odeon. Eduardo. vocalista, começou primeiro com o grupo Virgens, mas a banda acabou se desfazendo. e há três anos ele mergulhou no projeto no Finis, ao lado de Neto (baixo), Ronaldo (bateria) e Zezinho (guitarra). "Eu acho ótimo que as bandas que estão aí batalhando há tanto tempo comecem a aparecer finalmente, como é o nosso caso", diz Eduardo. 

Mas Ronaldo não acredita muito nessa mitificação do rock de Brasília. "Nem tudo que vem de Brasília é necessariamente bom." Há mais ou menos um ano, o Finis lançou um elepê independente, e teve uma música bastante executada nas rádios, Armadilha, também presente nesse novo trabalho. As influências da banda são as mais ecléticas possíveis, afinal, cada um tem uma formação, mas a música negra é a mais forte delas. Brasília, como em todas as outras bandas de lá, é uma presença forte, cada uma com sua identidade própria. 

Mas o Finis não tem nada de político, é absolutamente romântico. Eduardo, responsável por todas as apaixonadas letras da banda, se justifica. "Ora, todo mundo é um pouco romântico." Mas, apesar de tudo, eles deixaram a cidade e se estabeleceram no Rio de Janeiro. 

"Acho que é porque nós não temos raízes e sim antenas". explica Neto."A gente tem a maior fissura por aquela cidade, mas não tinha condições de sobrevivência lá."O nome tão original foi tirado do livro de Umberto Eco, O Nome da Rosa, que Zezinho leu há algum tempo.Mas, é claro que les não vivem só para a música. Neto, por exemplo, é apaixonado por dinheiro, adora ler e comer, mas detesta esportes. Eduardo, um libriano de 23 anos, é o único casado da banda e adora fazer jogging. Ronaldo não perde um desenho animado e muito menos u joguinho de futebol. Zezinho, 23 anos,geminiano, gosta de televisão e ouvir rádio ao mesmo tempo, para não se ligar em nada. Sua maior preocupação é perder a barriga e encontrar um mulheraço.

A ALQUIMIA DO SUCESSO
Por Dudu Feijó

Em 1984, o chamado "rock de Brasília"começava a invadir todas as praias e rios do Brasil. Foi neste ano que, influenciados pelo punk rock, três rapazes - Neto (no baixo), Ronaldo (bateria) e José Flores (guitarra) - resolveram se juntar para formar uma banda. Batizaram-se Finis Africae. 

Logo depois juntou-se a eles o vocalista Rodrigo. Em setembro do mesmo ano participaram da coletânea: Rumores, com as composições Ética e Van Gogh, que foram veiculadas por várias FMs alternativas do Planalto, do Rio e de Sampa. Em 85, saiu Rodrigo e entrou Eduardo, que além de cantar escrevia letras altamente existencialistas. Em 86, lançaram um mini-lp com seis faixas, entre elas Armadilha (que as rádios estão tocando) e Máquinas do Prazer. O impacto foi tanto que este tornou-se o único LP independente a integrar a programação das grandes FMs do Rio e de Sampa. 

Agora, seu novo vinil, com a banda já contratada pela Odeon, está nas lojas há uma semana e já saiu com trinta mil cópias vendidas. Na verdade pelo próprio gosto dos músicos o espírito punk permaneceu, mas musicalmente, seu som enveredou mais pelos caminhos funk. O funk é uma coisa alegra, que levanta", explicou Zezinho Flores. O LP super dançável, vem com três músicas que estavam no mini-LP e sete mais recentes. As letras de Eduardo - algumas curtas e sem refrão, que se repetem enfatizando certas passagens (nem por isso perdendo a força) - são sinceras, têm bons versos e encaixam-se bem nos climas musicais. Em geral abordam temas "deprê"(Deserto, Máquinas do Prazer), existencialistas (Armadilha, Mentiras) e mesmo de cunho social (Deus Ateu, Chiclete). Nada mais coerente para um grupo originário do centro de decisões de todas alegrias e e frustrações nacionais. Apesar da densidade que a temática, meio barra pesada sugere, aliadas ao ritmo dançavel, as letras acabam ganhando um clima de catarse, de soltar gritos presos, mas com prazer e força. Ficam gostosas e não há peso. O que poderia ser uma contradição (existencialismo / deprê social X alegria / funkrock), passa a ser uma bem resolvida alquimia. Os dois lados saem ganhando."Acho super importante que uma música, para pegar, tenha um batidão. 

Não nos descuidamos do aspecto melódico, nem harmônico, que é meio melancólico". Frisou Neto. "Queremos dar o que recebemos das músicas que gostamos de ouvir e dançar". Completou Zezinho. 

Musicalmente, as faixas na maioria, trazem curiosos efeitos e explorações de sonoridades, completando os bons arranjos. Trata-se de um elepê bem produzido de uma banda que pode ser um dos destaques do cenário musical brasileiro em 1987.

Finis Africæ, de Brasília, a fornada mais recente, agora em novos sabores...
Por Alex Antunes

Good Times", funkão do Chic, abrindo o show?! É. Eduardo, Zezinho, Neto e Ronaldo - sob a esotérica alcunha de Finis Africæ, o enigma do romance O nome da rosa - também são do planalto, mas rezam para outro santo. A terceira geração do rock de Brasília (a primeira, a do mítico Aborto Elétrico, escrachava no punk local; a segunda, da Legião/Plebe/Capital Inicial, invade o o país com seu som possante) saiu-se bem mais eclética e swingada. Como a melhor banda na coletânea Rumores e com algumas demo tapes já emplacadas nas FMs informadas" do Rio e São Paulo (Fluminense e Estácio / 89 e 97), o cismático Finis está lançando o seu LP de estréia.Entre as seis faixas há trabalhos mais antigos e sombrios ("Pretérito"), transição ("Mentiras") e aventuras mais recentes ("Armadilha, Máquinas do Prazer"). 

As letras continuam meio pessimistas, vazadas na inflexão petermurphyana de Eduardo. Mas a cozinha de Ronaldo (bateria) / Neto (baixo) vem se dobrando ao balanço crioulo, assimilado dos prediletos da Motown e adjacências (Ronaldo:"Black na alma, não na roupa". Gol). Zezinho (guitarra) apóia e sugere uma bossa. Mas é ao vivo que eles se resolvem. E aí sai Chic, ou a clássica do velho Aborto Elétrico: Fátima (gravada pelo Capital) ou Siouxsie ("Nightshift") ou Bauhaus ("Kick in the eye")...O que der na veneta. Pique e competência na execução não faltam. O caso é sério - shake it.
Fonte: http://paineldorockbrasil80.blogspot.com.br/

Primeira Formação (1984/1985):

Alexandre Saffi (guitarra)
José Flores (guitarra)
Neto Pavanelli (baixo)
Rodrigo Leitão (vocal)
Ronaldo Pereira (bateria)

Segunda Formação (1985/1988):

Eduardo de Moraes (vocal)
José Flores (guitarra)
Neto Pavanelli (baixo)
Ronaldo Pereira (bateria)

Terceira Formação (1989/1990 - 1999/2002):

César Ninne (guitarra/vocal)
Eduardo de Moraes (vocal)
Mac Gregor (teclados)
Roberto Medeiros (baixo)
Ronaldo Pereira (bateria)

Formação da última apresentação oficial (2005):

Alexandre Saffi (guitarra)
José Flores (guitarra)
Neto Pavanelli (baixo)
Paulo Delegado (baixo)
Rodrigo Leitão (vocal)
Eduardo de Moraes (vocal)
Ronaldo Pereira (bateria)

Discografia

Finis Africae (1987) - EMI-Odeon














Finis Africae Ao Vivo em Brasília (2002) – Groove Records














Compilações

Rumores (1984) - Sebo do Disco







N A U















Banda de São Paulo formada em 1985 e encerrada em 1989. Nesse intervalo de tempo, em 1987, gravou o LP "Nau" pela gravadora CBS, que contém 11 faixas. Cada um de seus integrantes toca seu instrumento da melhor maneira possível. Fazendo base, o baixo tinha uma levada funk, enquanto a bateria era quase militar. Sobreposto a isso, havia a guitarra distorcida, como no heavy metal, e sobreposto a todos eles, havia a potente voz de Vange, que cantava se inspirando nas grandes cantoras de blues.

No século XXI os navegantes saiam em naus à procura do novo que estava além-mar. Inspirados nisso, Zique (guitarra), Beto Birger (ex-baixista do Zero), Mauro Sanchez (bateria) e Vange Leonel (vocal) se reuniram, montaram o Nau e saíram à caça de um novo som dentro do rock.

Optaram pelo power trio. "Ele e o essencial", lembra Zique. "Sempre foram os mais significativos dentro do rock. Nele, todos os instrumentos têm uma função rítmica e existe um espaço para o silencio", completa Beto. "Facilita muito ser trio. A bateria e o baixo fazendo a base, a guitarra delirando por cima e a voz mais por cima ainda."

"Fazemos um som potente avisa Vange. "Rock é pauleira mesmo. É um tipo de trabalho em que a gente lida com a emoção." Para isso, decidiram trabalhar o lado mais forte de cada instrumento. Usam uma guitarra quase heavy, um baixo puxado para o funk e exploram o vocal de Vange com o que ela acha que há de mais forte para a voz feminina: "O sentimento do blues".

Aliás, o vocal é muito importante para o Nau. A colocação de uma voz potente, que pode até estar tratando de temas líricos, é fundamental. "Existem poucas vocalistas de rock no Brasil. De pop, existem muitas. O rock exige um vocal potente. Agudo, mas não água com açúcar". afirma Vange. "Uso a voz como um instrumento. O lance da voz é que pega pelo humano, lida com a vibração de dentro do teu corpo. Tanto é que o karaokê está na moda."

Formação:

Vange Leonel - vocal;
Zique - guitarra;
Beto Birgher - baixo;
Mauro Sanchez - bateria.

Discografia

Nau (1987)












Vange Leonel (1963-2014)













Vange Leonel, nome artístico de Maria Evangelina Leonel Gandolfo (São Paulo, 4 de maio de 1963 — 14 de julho de 2014), foi uma cantora, compositora, escritora e ativista LGBT brasileira.

Cantora e escritora

Como cantora e compositora, seu maior sucesso foi a canção «Noite preta», composta em parceria com Cilmara Bedaque, sua esposa. A canção foi tema de abertura da novela Vamp, da TV Globo, em 1991, tendo sido muito tocada nas rádios.

Na década de 1980, Vange fez parte da banda Nau, formada ainda por Beto Birger (baixo), Zique (guitarra) e Mauro Sanches (bateria), e o grupo lançou um disco intitulado Nau, em 1987, pela CBS. Em 1991, em carreira solo, ela lança Vange pela Sony Music, e em 1996 Vermelho pela Medusa Records. A cantora teve ainda participação em 1987 no CD/vinil Não São Paulo 2.

Como escritora, publicou em 1999 Lésbicas, pela Planeta Gay Books, Grrrls: garotas iradas, pela Edições GLS, em 2001, além de As sereias da Rive gauche, pela Editora Brasiliense, em 2002, e Balada para as meninas perdidas, de novo pela Edições GLS.

No teatro foi autora de As Sereias da Rive Gauche (2002), peça dirigida por Regina Galdino, e Joana Evangelista (2006).

Lésbica assumida, a cantora escrevia duas colunas sobre o tema: uma na Revista da Folha e outra no portal MixBrasil.












Civil

















A banda Civil foi uma banda que teve inicio em meados dos anos 80. Chegou a lançar 2 LPs com produções de feras como Geraldo D'arbilly e Bozo Barreti. O primeiro LP Civil (1987), contou com a participação do grande Marcelo Nova, que cantou junto com a banda a música "O que eu quero ser" de Ricardo Henrique.

Fez muito sucesso com a música "Sombras na calçada" do LP de mesmo nome lançado em 1989, chegou a produzir um remix desse single. Uma grande banda com ótimos músicos, mas que infelizmente não vingou.

Formação:

Walter Lopes: Baixo
Ricardo Henrique: Vocal e Guitarra
Sidney Pirutti: Bateria
Marco Antônio: Guitarra Solo

Discografia

Civil (1987)














Sombras na Calçada (1989)





















quarta-feira, 22 de junho de 2016

A BARCA DO SOL & OLÍVIA BYINGTON (HISTÓRIAS DO ROCK NACIONAL)

A Barca do Sol














O conjunto A Barca do Sol iniciou a carreira como banda de apoio do cantor fluminense Pery Reis. Em 1973, seus integrantes lançaram-se em carreira própria. No ano seguinte, a banda lançou seu primeiro álbum, A Barca do Sol, que contou com a participação do compositor e multi-instrumentista Egberto Gismonti nas faixas "Arremesso" e "Alaska". Também em 1974, entrou para o grupo o então flautista Ritchie, que anos mais tarde se notabilizaria em sua carreira de cantor solo.
























Após uma participação em um especial para a TVE-RJ, o A Barca do Sol começou a se tornar conhecida do público. Em 1976, o segundo disco é lançado, intitulado Durante o Verão. Nesta época, há uma alteração na formação da banda: saem Marcos Stull e Marcelo Bernardes e entram Alain Pierre e David Ganc, respectivamente. Em suas apresentações, o grupo utilizava textos de poetas da chamada "Geração Marginal", particularmente de Geraldo Carneiro, Cacaso e João Carlos Pádua.



Em 1978, os integrantes de A Barca do Sol participam do LP Corra o Risco, que marcou a estréia da cantora Olivia Byington. O disco contém sucessos do grupo, como "Lady Jane", "Fantasma da Ópera" e "Brilho da Noite", regravados pela cantora, além de canções inéditas que viriam a compor o novo disco do conjunto: "Cavalo Marinho" e "Jardim da Infância".

Em 1979, o grupo lançou pelo selo Verão Produções Artísticas o álbum Pirata. Em 1980, fez uma participação especial na faixa "Mais Clara, Mais Crua", do disco Anjo Vadio, de Olívia Byngton, vindo a dissolver-se em seguida. Apesar do fim da banda em 1981, vários membros continuariam ativos.













Integrantes

Jaques Morelenbaum — violoncelo, violino e voz (1973-1981)
Nando Carneiro — violão e voz (1973-1981)
Muri Costa — violão, viola e voz (1973-1981)
Beto Rezende — guitarra, violão, viola e percussão (1973-1981)
Marcos Stull — baixo (1973-1975)
Alain Pierre — baixo (1976-1981)
Marcelo Costa — bateria e percussão (1973-1981)
Rui Motta — bateria (1973-1975)
Marcelo Bernardes — flauta (1973-1975)
Ritchie — flauta (1974-1975)
David Ganc — flauta (1976-1981)

Discografia

1974 - A Barca do Sol - Continental














1976 - Durante o Verão - Continental














1979 - Pirata - Verão (independente)












Coletâneas

2000 Dois Momentos: A Barca do Sol/Durante o Verão Warner Music Brasil
Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre.


Olívia Byington & A Barca do Sol - Corra o Risco





















Filha de um psicanalista carioca, estudou piano, violino e violão. Dona de grande extensão vocal, cantava óperas e rock na juventude. Nos anos 70 integrou, ao lado do violoncelista Jacques Morelenbaum, a banda Antena Coletiva, que tocava rock de garagem. No final da década lançou um disco ("Corra o Risco", 1978) e fez shows como cantora solo, no Rio de Janeiro, acompanhada pelo grupo A Barca do Sol. O Álbum de estreia de Olívia se inicia com Fantasma da Ópera, com uma pegada folk/medieval onde a flauta se destaca por toda canção. Em seguida a música que estourou e a levou ao reconhecimento nacional, Lady Jane uma linda e melancólica poesia de Nando e Geraldo Carneiro. A próxima faixa, Corra Risco, é acompanhada com belo arranjo de cordas , flauta e percussão; somente com instrumentos acústicos. Logo após vem Jardim de Infância, mais uma triste canção, somente acompanhada por um órgão e um solo fantástico de vocalização. A próxima faixa, Banda dos Corações Solitários, é mais uma com pegada folk e um fantástico arranjo de violão, cordas e flauta. O lado A se encerra com Cavalo Marinho, mais uma bela canção, letra de apenas uma estrofes e tão sutil como a voz da intérprete.

Considerada uma cantora refinada e sofisticada pelos críticos desde o início de sua carreira, apresentou-se ao lado de Tom Jobim, Radamés Gnattali, Chico Buarque, Turíbio Santos, Paulo Moura, Egberto Gismonti, João Carlos Assis Brasil. Em 1981 foi a Cuba, a convite de Chico Buarque, e acabou gravando um disco produzido por Silvio Rodrigues. Sem desprezar o rock e confirmando sua postura de eclética, gravou, em seu disco "Música" (1984), rocks de Cazuza e canções de Djavan. Mas em geral é conhecida pelo repertório que inclui Gershwin, Porter, Cartola, Tom Jobim. Em 1990 o disco "Olivia Byington e João Carlos Assis Brasil" teve boa recepção e proporcionou ao duo viagens por todo o Brasil. Nos anos 90 excursionou pela Europa e elaborou um trabalho ao lado do saxofonista Edgar Duvivier, e em 1997 gravou "A Dama do Encantado", em homenagem a Aracy de Almeida, disco aclamado pela crítica.

Corra o Risco

Em 1978 é lançado um dos discos mais lindos feito no Brasil, pelo menos é o mais belo de meu acervo feito naquele ano: Corra O Risco de Olivia Byington com participação da Barca do Sol. Um disco que varia da sutileza à agressividade; tranquilo e em alguns momentos nervoso, envolvendo poesia ao folk com direito a flauta doce/transversal e ao rock pesado com guitarras distorcidas. Não lembro ao certo como conheci, mas quando ouvi pela primeira vez foi um tapa no juízo.

O outro lado digamos que seja “mais nervoso”, já começa com Lobo do Mar, música que teve clip lançado no Fantástico, arranjos nervosos, folk que flerta com o rock progressivo, com uma fantástica vocalização e um solo “fritado” de guitarra fuzz. A segunda faixa é uma calmaria, uma linda interpretação de Água e Vinho do mestre Egberto Gismonti em parceria com Geraldo Carneiro, com arranjos minimalistas de violão e violoncelos fazendo uma melodia sombria. A próxima música pra mim é a mais pesada e melhor do disco, Brilho da Noite, onde Olívia canta de uma forma histérica que dá ênfase a canção. A banda absurdamente entrosada, a bateria cheia de contratempos e o baixo fazendo a “cozinha” enquanto a guitarra lisérgica cheia de fuzz e wah-wah. A quarta faixa , Minha Pena, Minha dor, como o próprio título diz, é mais um lamento apenas à voz e piano. O álbum se encerra em grande estilo, Luz de Tango, mais uma música “nervosa” e interpretada de forma vigorante por Olívia, com doses cavalares de hard/psych e erudito (sim, por que não?), com um solo matador de guitarra elétrica.

Olívia, Corra O Risco é um dos discos que tem um lugar especial em meu acervo, um disco perfeito. A interpretação de Olívia Byington e A Barca do Sol é simplesmente ímpar, notável que foi tudo feito de alma e coração. Altamente recomendável aos amantes de prog, hard, psych, folk… Portanto, meus amigos, Corra Risco! Abraço! (texto de Walter Pires)
Fonte: https://clubedovinildealagoas.wordpress.com












quinta-feira, 16 de junho de 2016

O CORTIÇO - ALUÍSIO AZEVEDO (DICA DE LIVRO)





















Há algum tempo, queria ler algum romance, fugindo um pouco de assuntos ligados a política, história, biografia ou filosofia, coisas que leio costumeiramente. Voltei-me a poesia de Fernando Pessoa, sempre muito prazeroso de ler, ainda não contente fui caçar nas prateleiras alguma outra coisa e me deparei com 'O Cortiço de Aluísio Azevedo', um clássico em formato de livro de bolso, não sei como este livro foi parar ali, talvez meu irmão o tivesse deixado depois que se mudou, ou eu mesmo tivesse comprado em algum sebo por aí, não importa, o que importa é que me veio a calhar. Grande experiência a minha ao ler este livro, de personagens tão marcantes, embora quisesse eu fugir da história e política, um clássico como este me pôs em mente a imagem de tempos passados, da linguagem antiga, minha língua-pátria, poético, dramático, engraçado, com todos os seus maneirismos de época, um retrato de um tempo perdido. Fictício, mas legítimo documento histórico. 

O Cortiço é um romance naturalista do brasileiro Aluísio Azevedo publicado em 1890 que denuncia a exploração e as péssimas condições de vida dos moradores das estalagens ou dos cortiços cariocas do final do século XIX.

Alfredo Bosi destaca que Azevedo não se importa em construir um enredo, mas em criar personagens convincentes:

Só em O Cortiço Aluísio atinou de fato com a fórmula que se ajustava ao seu talento: desistindo de montar um enredo em função de pessoas, ateve-se à sequência de descrições muito precisas onde cenas coletivas e tipos psicologicamente primários fazem, no conjunto, do cortiço, a personagem mais convincente do nosso romance naturalista. Existe o quadro: dele derivam as figuras.

Segundo análise de Antonio Candido, no ensaio De Cortiço a Cortiço, no cortiço de Aluísio Azevedo a natureza brasileira "desempenha papel essencial como explicação dos comportamentos transgressivos, como combustível das paixões e até da simples rotina fisiológica. Aluísio aceita a visão romântico-exótica de uma natureza poderosa e transformadora, reinterpretando-a em chave naturalista."

De acordo com Valentin (2013), O cortiço é um dos primeiros romances brasileiros a apresentar representações da homossexulidade. A esse respeito, afirma o autor:

"[...] em O cortiço, conclui-se que a homossexualidade é representada de duas maneiras: a primeira delas, no caso de Albino, de modo estereotipado e oblíquo, na qual ela funciona como caracterizador de um tipo social; a segunda, no caso de Pombinha e Léonie, materializada sob a forma de ato sexual, no qual o desejo, concebido como instinto animal degenerado (por ser de orientação homoerótica e por vir de uma prostituta), emerge a partir da personagem Léonie. Nesse caso, no entanto, ela não se sustenta como algo duradouro, pois ela se resume àquele ato"[6] (VALENTIN, 2013, p. 199).

Sinopse

A obra descreve a ascensão social do comerciante português João Romão, dono de uma venda, uma pedreira e um cortiço, próximo ao sobrado de um patrício endinheirado, o comendador Miranda. A rivalidade entre os dois aumenta à medida que cresce o número de casinhas do cortiço, alugadas, na sua maioria, pelos empregados da pedreira, que também fazem compras na venda de João Romão, que, desse modo passa a enriquecer rapidamente. Com a intenção obsessiva de tornar-se rico, João Romão economiza cada moeda e explora quem quer que seja sempre que tem oportunidade, como o faz com a escrava fugida chamada Bertoleza que o auxilia no trabalho duro e para quem ele forjou um documento de alforria.

O sonho de João Romão é adquirir prestígio social, como seu patrício Miranda. Este, à medida que o vendeiro vai enriquecendo, passa a considerar a possibilidade de oferecer-lhe a mão de sua filha, Zulmira; assim um amigo em comum, Botelho, se faz de intermediário das negociações e tudo fica arranjado. João Romão fica noivo de Zulmira, alcançando assim um patamar mais alto na escala social. O único inconveniente é a escrava Bertoleza, que não aceita ser descartada, para qual João Romão arma um plano: denuncia Bertoleza como escrava fugida a seu verdadeiro dono que vai com a polícia prendê-la. João Romão faz de conta que não sabe de nada e a entrega. Bertoleza percebe que Romão, sem coragem de mandá-la embora ou de matá-Ia, preparou essa armadilha para devolvê-la ao cativeiro, desesperada, ela se mata.(flemis)(2 alfa)

A narração desses fatos da vida de João Romão entrelaça-se com a narração de vários episódios dos moradores do cortiço, cuja luta pela sobrevivência é dura e cruel. O caso de Jerônimo é exemplar da visão naturalista de Azevedo, Jerônimo é um operário português contratado por João Romão para trabalhar na pedreira, é sério e honesto, casado com Piedade, também portuguesa. Eles têm uma filha adolescente e vivem bem como família. Mas no cortiço, Jerônimo começa a sofrer influência daquele ambiente desregrado então apaixona-se pela mulata Rita Baiana, por ela, mata um rival e abandona a família.

Acompanhando a evolução social de João Romão, o cortiço também se desenvolve, principalmente depois de um grande incêndio, quando passa por reformas e transforma-se na "Avenida São Romão", com melhor aparência e uma população mais ordeira. A população mais baixa e miserável se transfere para outro cortiço, o "Cabeça de Gato", mantendo-se assim a engrenagem do sistema social em que predomina a lei do mais forte.

Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre e Azevedo, Aluísio, 1857-1913. O cortiço / Aluísio Azevedo - São Paulo: Paulus, 2002 - (Coleção Nossa Literatura)

 

terça-feira, 14 de junho de 2016

FERNANDO PESSOA - ENTRANDO EM SEUS LABIRINTOS POÉTICOS























Neste "Dossiê" dedicado ao maior poeta da língua portuguesa, a revista CULT em sua edição de número 18, publicada em janeiro de 1999, reuniu textos de críticos e escritores que refletem sobre a criação labiríntica, marcada pela existência de heterônimos como Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Leia, abaixo, um ensaio de Rinaldo Gama, para quem Pessoa é a expressão mais pura da dimensão metalingüística que caracteriza a melhor literatura do nosso tempo, ocupando um lugar central na poesia do século XX.

O drama da linguagem

Num ensaio escrito a mais de 40 anos atrás, que por diversos motivos deve ser tomado como clássico, o linguista russo Roman Jakobson chamava a atenção para a necessidade de se incluir o nome de Fernando Pessoa (1888-1935) no rol de artistas do porte de James Joyce, Pablo Picasso e Igor Stravinski. Isto, não apenas por terem todos eles nascido na década de 80 do século passado, mas sobretudo porque no poeta português estariam condensados "os traços típicos dessa grande equipe": a "extraordinária capacidade de sempre superar os hábitos envelhecidos, o dom sem precedentes de aprender e remodelar cada tradição anterior e cada modelo estrangeiro e um singular sentimento da tensão dialética entre as partes e o todo unificador e entre as partes conjugadas entre si, especialmente entre os dois aspectos de qualquer signo artístico - o seu signans e o seu signatum". Assim, valendo-se de um "conceito recorrente" nas meditações estáticas de Pessoa, Jakobson escreveu que ele deveria ser colocado "entre os grandes poetas de estruturação", em oposição ao que se poderia chamar de "poetas da emoção", como fez Haroldo de Campos numa carta ao linguista. Para Haroldo, aliás, o referido ensaio, "Oxímoros dialéticos de Fernando Pessoa", um estudo sobre o poema "Ulysses", de Mensagem (1934), representou a análise mais rigorosa e criadora jamais feita da poética pessoana.


Extraordinariamente precisa, a análise de Jakobson embute um dado fundamental: na verdade, a obra de Fernando Pessoa pode ser tomada como um paradigma daquilo que demais alto pode fazer a poesia - e, por extensão, a arte - do século XX. E esta, ressalte-se rapidamente, não é a postura de um crítico "de emoção", e sim "de estruturação" - como o foi Roman Jakobson. Ao se atribuir a Pessoa aquela condição modelar no universo da produção poética deste "século curto" (Hobsbawm), o que se tem em mente é o resultado concreto do projeto do poeta português, que está baseado no traço mais característico das manifestações artísticas do Novecentos: a metalinguagem. Não se quer dizer com isso que apenas no século XX a arte, de um modo geral, aprendeu a voltar-se sobre si mesma. No entanto, parece razoável afirmar que foi nele que a metalinguagem se tornou uma notável personagem da cena artística - chegando mesmo a protagonizá-la, a ocupar o centro do palco.

O uso dessa imagem de contornos teatrais não é gratuita. "O ponto central da minha personalidade como artista é que sou um poeta dramático: tenho continuamente em tudo quanto escrevo a exaltação íntima do poeta e a despersonalização do dramaturgo", escreveu Fernando Pessoa. Nesta afirmação estaria a chave da gênese dos heterônimos - explicáveis, esclareça-se, não a partir do "drama em gente", uma "das falsas pistas a que se têm atido tantos críticos", mas sim "da natureza dramática (de sua) própria poesia", conforme observou José Augusto Seabra, um dos principais estudiosos da obra pessoana.

 A insistência de Pessoa em se definir como poeta dramático já suscitou diversas análises sobre o papel de dramaturgos - William Shakespeare, por exemplo - no processo heteronímico. Porém, não se pode deixar de considerar que num dos vários textos que escreveu, sem data neste caso, sobre a origem da sua "coterie inexistente", Fernando Pessoa partiu dos gêneros poéticos de Aristóteles (poesia lírica, elegíaca, épica e dramática) para, em seguida, contestá-los: como todas as classificações, esta seria "útil e falsa", pois "os gêneros não se separam com tanta facilidade". Assim, a heteronímia representaria uma forma de levar "a poesia lírica - ou qualquer forma literária análoga em sua substância à poesia lírica - até a poesia dramática, sem, todavia, se lhe dar a forma do drama".

Ora, vai sem dizer que ao estruturar sua obra de acordo com essa proposta, Pessoa levou às últimas consequências a questão metalinguística, noutras palavras, repita-se, a questão poética (artística) do século. Fernando Pessoa não apenas se empenhou em escrever poemas que tratassem da poesia: ele criou uma galeria de autores cujo eixo de produção - pelo menos no caso de Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos e o Pessoa-ele mesmo - apóia-se na reflexão poética. Para não dizer que a própria existência deles e o incessante diálogo de uns com os outros já constitui metalinguagem pura.

Não é preciso detalhar aqui o porquê do rumo metalinguístico tomado pelas artes neste Novecentos; bastaria lembrar uma palavra: crise (natural ou proposital, resultado de esgotamento ou desconstrução - pouco importa). Como qualquer ser vivo, as artes em crise voltaram-se para si mesmas.

No caso de Fernando Pessoa, a disposição metalinguística encarnaria dois níveis: um, representado pelos heterônimos tomados em conjunto (incluindo-se aí, vale frisar, a produção ortônima, vista, ela mesma, como mais uma manifestação heteronímica, e ainda os textos dos "semi-heterônimos"); outro, levando em conta o drama de cada uma dessas individualidades "inexistentes" ou superexistentes.

A ligação entre um e outro nível se dá através da obra daquele que, não por acaso, é reconhecido como o mestre do grupo: Alberto Caeiro. "Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre", escreveu Pessoa numa carta a Adolfo Casais Monteiro datada de 1935, na qual trata do aparecimento dos heterônimos. Em Caeiro, os tais pólos metalinguísticos de que se falou há pouco se unem porque, como em nenhum outro heterônimo, a reflexão sobre a linguagem se dá nele de maneira radical.

Em sua aparente singeleza, a poesia caeiriana se pauta por uma discussão espinhosa: a capacidade ou incapacidade da linguagem representar o real. Obviamente, como já notou Roland Barthes, "desde os tempos antigos até as tentativas de vanguarda a literatura se afaina na representação do real. O real não é representável e é porque os homens querem constantemente representá-lo por palavras que há uma história da literatura".

Isto posto, é legítimo pensar que nada haveria de original na abordagem caeiriana. Contudo, Caeiro se distingue pela forma como se lança à tarefa de tirar a máscara com que a palavra - um tipo de signo, um símbolo, no sentido que atribuía a esse termo o americano Charles Sanders Peirce, criador da Semiótica - "encobre" a realidade, impedindo que o homem a conheça verdadeiramente.

A poesia cairiana despreza a mediação operada pelos signos e aspira uma utopia da realidade, uma realidade utópica: um mundo em que os processos de significação - e, portanto, os poemas também - não sejam mais necessários. Trata-se, por assim dizer, de uma metalinguagem da negação: tanto do poder representativo da palavra quanto da eficiência da própria poesia que faz tal denúncia. Mais do que isso, como o homem - ele mesmo um símbolo, segundo Peirce - não é capaz de viver sem a mediação dos signos, a proposta de Caeiro só parece realizável numa dimensão distinta da vida: a morte, talvez. A alternativa seria negar a própria natureza humana, afinal, como sentenciou Merleau-Ponty, "a linguagem é o nosso elemento, como a água é o elemento dos peixes". Alberto Caeiro tem plena consciência disso e admite em O guardador de rebanhos: "E assim escrevo, querendo sentir a Natureza, nem sequer como um homem".

Naturalmente, esta é uma redução da complexa poética caeiriana. Por trás, e/ou à frente dela estariam, por exemplo, o confronto entre paganismo e "cristismo" (a referência seria Santo Agostinho e o seu A cidade de Deus contra os pagãos), uma teria filosófica propriamente dita que começaria nos pré-socráticos e alcançaria Nietzsche; uma crítica irônica aos intelectuais. Pois toda a produção dos demais poetas da coterie básica de Pessoa pode ser vista, antes de tudo, como uma resposta ao desafio imposto pela, digamos, "antipoesia" de Alberto Caeiro. Foi para encontrar meios de reafirmar os signos, que Caeiro dá como irremediavelmente perdidos, que as obras de Reis, Campos e do próprio Pessoa-ele mesmo vieram à tona. Cada um tentaria encontrar seu caminho para fazer frente ao impasse criado pela poesia caeiriana - e não só para eles, ressalte-se. É desta maneira que o autor de O guardador de rebanhos costura os pólos do drama pessoano. Depois de criar, dramaticamente, seu próprio processo metalinguístico, Caeiro abre a possibilidade para que surjam os processos dos outros dramas, isto é, poetas. Os dramas individuais se completam no grande drama pessoano - ou pessoano-caeiriano.

Num de seus inúmeros apontamentos sem data, Fernando Pessoa escreveu: "Quão competente é o crítico competente? Suponhamos que uma obra de arte profundamente original surja diante de seus olhos. Como a julga ele? Comparando-a com as obras de arte do passado. Se for original, porém, afastar-se-á em alguma coisa - e quanto mais original mais se afastará - das obras de arte do passado. Na medida em que o fizer, parecerá não se conformar com o cânon estético que o crítico encontra firmado em seu pensamento [...] Aceitará o crítico?" No fundo, "o grande poeta" já havia aparecido e não era outro senão ele mesmo. O que não existia, e Pessoa deixa isso claro, era uma crítica preparada para entendê-lo.

Compreensivelmente, os primeiros críticos da obra de Fernando Pessoa - sem considerar ele mesmo e os heterônimos - preocuparam-se demais em captar os indícios biográficos, psicológicos, que explicassem o seu "caso". Depois de ter-se afirmado, em 1919, "do ponto de vista psiquiátrico", como um "histero-neurastênico", Pessoa diria, 11 anos depois, que nunca tivera "uma só personalidade", que sempre pensara e sentira "dramaticamente". Com a obra de Sigmund Freud desenvolvida e difundida, era "natural" que críticos como João Gaspar Simões lançassem mão de idéias psicanalíticas para ler a obra de Fernando Pessoa - que, por sua vez, reagiria a tal abordagem.

O divisor de águas da crítica pessoana seria exatamente o ensaio de Roman Jakobson citado no início deste artigo, escrito em 1968 em colaboração com Luciana Stegagno Picchio e incluído no livro Linguística. Poética. Cinema. (São Paulo, Perspectiva, 1976). Pela primeira vez, o texto concretamente dito de Pessoa vinha para o centro do palco da crítica, abrindo caminho para que surgissem outros estudos, desta vez debruçados sobre o conjunto da obra pessoana - entre eles o de Eduardo Lourenço (Pessoa revisitado, 1973), o do já citado José Augusto Seabra (Fernando Pessoa ou o poetodrama, 1974; São Paulo, Perspectiva, 1982), o de Maria Teresa Rita Lopes (Pessoa et le drame symboliste: héritage et création, 1977) e o de Fernando Segolin (As linguagens heteronímicas pessoanas, 1982; publicado com o título Fernando Pessoa: Poesia, Transgressão, utopia. São Paulo, Educ, 1992). De resto, era isso o que o poeta esperava, ou não escreveria: "Assim têm estes poemas de Caeiro, os de Ricardo Reis e os de Álvaro de Campos que ser considerados. Não há que buscar em quaisquer deles idéias ou sentimentos meus, pois muitos deles exprimem idéias que não aceito, sentimentos que nunca tive. Há simplesmente que os ler como estão, que é aliás como se deve ler."

Uma obra como a realizada por Fernando Pessoa, radicalmente original em sua dimensão metalinguística - e, neste sentido, sem paralelo na história da literatura -, não deixaria de colocar em xeque a própria crítica que dela se ocupasse. Isto ocorre particularmente quando o objeto de estudo é O guardador de rebanhos, de Alberto Caeiro, um poeta que, mesmo sem a companhia dos heterônimos, estaria no patamar em que hoje se encontra.

Pois bem: aonde levará a reflexão sobre uma poesia que desconfia de si mesma e de qualquer ato reflexivo, uma vez que despreza a linguagem como instrumento de apreensão do real? Como escapar desta armadilha, se a maneira de fazê-lo só pode se dar através daqueles mesmos signos impotentes? Seria o silêncio, a negação da função metalinguística, a única postura aceitável do "crítico competente" diante de tal obra? Se o objeto das atenções continuar sendo o texto concretamente dito, a resposta é não. No limite, pode-se lembrar de Píndaro: "Minha alma não creias na vida eterna/ Esgota porém o campo do possível." (Texto de Rinaldo Gama autor de O guardador de signos: Caeiro em Pessoa e outros).























Biografia de Fernando Pessoa escrita pelo francês Robert Bréchon conecta vida do poeta à leitura de sua obra, ambas marcadas pela busca de uma pátria e de uma identidade cultural. Por Heitor Ferraz.

O poeta do exílio


Era dentro de um grande baú de madeira que o poeta Fernando Pessoa guardava seus poemas. Alguns foram colocados dentro de envelopes, amarrados com barbantes, outros ficaram soltos. Ali dentro conviviam seus heterônimos todos, desde o mais precoce, Chevalier de Pas, criado quando o poeta tinha seis anos, até o mais convulsivo de todos eles, o poeta que mais gerou tensões dentro de sua obra e de sua vida, o engenheiro Álvaro de Campos. Essa multiplicidade de máscaras que foi pouco a pouco aderindo ao seu rosto, até confundi-lo, moldou uma das principais obras do século passado.


Escrever a biografia de Pessoa é ao mesmo tempo escrever sobre ele próprio e sobre a vida ficcional de cada um desses personagens. Um fio narrativo imbricado. O francês Robert Bréchon se ateve a isso ao pesquisar e escrever Estranho estrangeiro, com tradução de Maria Abreu e Pedro Tamen. Mais que um biógrafo de Fernando Pessoa, Bréchon se coloca como comentador de sua obra. Ele não se prende somente aos fatos cronológicos ou a fazer entretenimento de uma vida, como é muito comum nas biografias. Bréchon não é um caseur. Seu livro, com mais de 500 páginas, ocupa um espaço entre ensaio literário e a biografia.

Bréchon tentou compreender o emaranhado fio entre vida e obra e, para isso, lançou mão de todo o material de que dispunha, ou seja, quatro biografias anteriores, textos críticos, como os do importante crítico literário português Eduardo Lourenço, vasculhou cartas, antigas entrevistas de contemporâneos e familiares do poeta, além de se colocar como um arguto observador da fotografia de Fernando Pessoa, feita por Maria José de Lancastre, também lançada no Brasil.

Mesmo nessa tentativa, não temos como não dizer que tudo permaneceu emaranhado, já que o próprio biografado criou esse nó para seus leitores. E Bréchon acaba por reconhecer logo no primeiro capítulo: "Toda sua obra é testemunho de ele ter tido consciência aguda dos próprios malogros, de ter sofrido atrozmente por isso". Essa frase surge como que comprovando que a obra chegava umedecida pela própria experiência e reflexão da vida.

Mesmo tendo sido um solitário, certamente Pessoa foi um dos poetas que melhor compreendeu seu tempo e seu país, aprofundou as tensões da modernidade, esfarelando sua própria identidade. E é aqui que a condição de exilado faz mais sentido, já que esse é um sentimento extremamente presente. No caso de Pessoa, os dados biográficos ajudam ressaltar esse exílio. Há uma procura em toda sua vida de uma pátria, de uma identidade cultural e linguística, como nos relata Bréchon.

Fernando António Nogueira Pessoa nasceu em Lisboa, em 13 de julho de 1888 (dia de Santo antônio, padroeiro da cidade). Mas pouco tempo depois, quando ainda tinha cinco anos, seu pai morre. Anos depois, sua mãe se casa com um oficial da Marinha, o comandante João Miguel Rosa, que logo é designado para cônsul de Portugal em Durban. Esses acontecimentos vão marcar profundamente a vida do poeta. Ele vive, como diz seu biógrafo, uma espécie de "afastamento" da mãe. "O que interessaria saber é o papel desse traumatismo afetivo, aos sete anos, no bloqueio da consciência que mais tarde lhe conferirá à obra a tonalidade própria: Abstração dos sentimentos e das sensações, plenitude vazia, ausência de si e do mundo, estética do apagamento e da brancura etc."

O que também conta nesse episódio são os seus anos de formação em Durban, na África do Sul, que era, na época, uma cidade inglesa. Pessoa permaneceu em Durban de 1896 a 1904 (nesse entretempo, permaneceu um ano em Lisboa). Logo o jovem Fernando passa a ser bilíngue, escrevendo basicamente em inglês. Boa parte de sua referência literária acaba sendo inglesa. Nasce nessa época o seu segundo heterônimo. O primeiro, ainda aos seis anos, tinha sido Chevalier de Pas, um francês com quem se correspondia; o segundo é Alexander Search que, de acordo com Bréchon, será o precursor de todos os outros: "Ao lermos esses textos em verso e em prosa, todos evidentemente escritos em inglês, apercebem-nos de que Pessoa, dos quinze aos vinte anos, situou na consciência semi-fictícia de Search e na sua obra, bem real, a experiência espiritual tempestuosa vivida nessa 'curva da estrada' da sua vida de homem, essa luta com o Anjo cujo duplo (Alexander Search) sai por fim vencido, para que ele mesmo, Pessoa, possa extrair sua satisfação e transpor um limiar, passar a outra etapa da iniciação poética."

Esse ritual de iniciação poética o prepara para seus grandes heterônimos: Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Bernardo Soares, do Livro do desassossego (livro que contém a escritura de uma vida, pois Pessoa nunca o concluiu, já que ia escrevendo-o como quem escreve um diário). Essa coterie, como chamava Pessoa, surge quase que de uma tacada só, no famoso "dia triunfal", ou seja, 8 de março de 1914, quando "nasce", numa noite, a obra de Alberto Caeiro. Em poucos anos, ele terá escrito o essencial do Guardador de rebanhos, grande parte das Odes de Reis e muitas grandes Odes de Campos.

Pode-se dizer que a partir desse momento o projeto de Pessoa ganha corpo. Desde sua chegada definitiva a Portugal, em 1905, o poeta foi aos poucos se interessando pela vida portuguesa, embrenhando-se nas questões históricas e políticas (assunto que o perseguirá durante toda sua vida) e readquirindo sua língua de origem para se tornar o segundo grande poeta da língua depois de Camões. Em 1915, prepara com seus amigos Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros a revista Orpheu, que marca o início do modernismo português. Paralelamente às atividades literárias, vai tocando seu trabalho de correspondente comercial em línguas estrangeiras, já que domina tanto o inglês quanto o francês.

Seu apego ao país reencontrado se dá com grande força por meio da reconquista da língua. Deixou esboçado alguns projetos como um tratado intitulado Defesa e ilustração da língua portuguesa, um Dicionário ortográfico, prosódico e etimológico da língua portuguesa, além de fragmentos sobre ortografia, sobre língua falada e escrita. A certa altura de sua vida, quando se volta ao "sebastianismo" e à concepção profética do "Quinto Império", Pessoa acredita que Portugal, com a língua portuguesa, será um dos pilares do mundo. É de suas pesquisas e leituras, como a que fez de padre António Vieira, que virá a famosa frase, hoje repetida até numa canção de Caetano Veloso, "minha pátria é minha língua".

Esse mergulho linguístico vem acompanhado de uma rigorosa releitura da literatura portuguesa. Procura, então, uma unidade dentro dessa literatura, lendo Camões, Garret, Antero de Quental, Antônio Nobre e Guerra Junqueiro. Mas acabou recebendo influências marcantes, na juventude, de poetas como Cesário Verde e Teixeira Pascoaes.

Outro foco de suas preocupações é a política. Bréchon salienta que Pessoa, desde sua volta definitiva a Lisboa, teve um "interesse simultaneamente divertido e apaixonado" pela política portuguesa. Como muito de sua obra, escreveu milhares de páginas destinadas a livros que nunca acabou como Da ditadura à republica, Considerações post-revolucionárias, Republica e monarquia. Quando da queda da monarquia em 1910, ainda não tinha a visão nítida e exaltada que terá depois. Várias vezes voltou ao tema, tentando compreender esse período histórico.

Portugal passará por um momento conturbado após a instalação da República, passando por várias agitações internas, greves, uma sucessão de governos. Para Bréchon, "não há dúvida de que ele participou dessa espécie de psicose coletiva que é a espera irracional de um Salvador. Julgou tê-lo encontrado, em 1917, em Sidônio Pais". Mas esse D. Sebastião logo será assassinado. Foram mais alguns períodos de agitação e novas tendências de ditadura até que o prof. Oliveira Salazar "impõe, em várias etapas, seu poder absoluto: superministro das Finanças em 1928, presidente do Conselho em 1932, fundador em 1933 do Estado Novo, inspirado no modelo fascista". E Pessoa, nesse imbróglio político, que posições vai tomar? Como lembra Bréchon, será sempre controverso: foi da expectativa benevolente à oposição irredutível.

Aqui, Bréchon lembra de um episódio que marcou seu último ano de vida. Em 1935, ele publica um "violento" panfleto contra a proposta de um deputado salazarista de proibir as sociedades secretas. Nesse documento, Pessoa toma a defesa da Franco-Maçonaria. É violentamente atacado pela imprensa e, assim, rompe com o salazarismo. Ainda antes de morrer, escreve sobre si mesmo: "conservador do estilo inglês, isso é, liberal dentro do conservadorismo, e absolutamente anti-reacionário".

A vida amorosa do poeta também merece mais de um capítulo de Bréchon. Não que ele tenha tido de fato uma vida amorosa. Pessoa era um homem tímido, mais para o calado do que para o conquistador, e esse capítulo, dentro de sua vida, foi um fiasco. Enamorou-se da jovem Ofélia Queiroz, que conhecera como estagiária em um dos escritórios em que trabalhava. Passou a frequentar assiduamente o lugar e lhe fazia gracejos. Acabaram por desenvolver uma correspondência da qual temos hoje somente as cartas do poeta - e são ridículas, como Álvaro de Campos escreveria depois, sem culpa.

E é curioso notar, na biografia de Bréchon, como Álvaro de Campos acabou sendo o grande vilão dessa história. Às vezes, conta a própria Ofélia, Pessoa apresentava-se diante dela como sendo Álvaro de Campos. "Portava-se, nessas alturas, de uma maneira totalmente diferente. Destrambelhava-se, dizendo coisas sem nexo." Numa de suas crises, resolve acabar com essa aventura. "O meu destino pertence a outra lei, de cuja existência a Ophelinha nem sabe, e está subordinado cada vez mais à obediência a Mestres que não permitem nem perdoam", escreveu. Depois desse rompimento, houve uma recaída, muitos anos depois, mas também infrutífera. Como diz Bréchon, "o amor e a poesia não convivem no mesmo espaço nem no mesmo tempo. Pessoa escolheu: não o amor, mas a poesia".

A leitura das 500 páginas desse livro dá a impressão de uma estranha vida em exílio, onde não houve espaço para a afetividade, onde muito se fez em frustração do homem. Na juventude, ele quis ser um poeta inglês, mas seu destino tinha de ser português. E não só: graças a ele, Lisboa tornou-se uma cidade literariamente tão importante quanto Paris. Criou um mundo ao mesmo tempo ligado à questões políticas e sociais do seu tempo e distante da vida social (não que fosse um eremita, ia aos bares, mas preferia sempre ficar calado e observando). Habitou e foi habitado por seus heterônimos, criando, assim como Sexta-Feira foi o outro para Robinson Crusoé em sua Ilha da Desolação, um estranho diálogo ficcional e real entre seus poetas (alguns críticos chegaram a contabilizar setenta e dois heterônimos). Para Pessoa, parece que os fatos do mundo exterior serviram de matéria para a criação de uma identidade difícil de ser encontrada e que deixou na alma um exílio na alma, aquele exílio no meio da multidão, em que se tenta captar o sentido de tudo, como se tudo não fizesse sentido ou fosse um sonho. (Texto de Heitor Ferraz autor de Resumo do dia (Ateliê Editorial), A mesma noite (Sette Letras) e outros).













A heteronímia marca profundamente a obra do poeta que até o próprio Fernando Pessoa se torna personalidade ficcional. Por Madalena Vaz Pinto. 

A festa da fragmentação


Dar a cada emoção uma
personalidade, a cada estado de alma
uma alma
Livro do desassossego

"Ser tudo de todas as maneiras", escreveu Pessoa que se autodefinia como poeta dramático, aquele que sente "na pessoa do outro". No entanto, os heterônimos provam que a alegada despersonalização nunca se completou, que subjacente aos seus diferentes modos, Caeiro, Campos, Reis e ortônimo têm como base as mesmas questões. 

De fato é quase impossível falar de Pessoa sem referir essa descoberta de escrever inventando-se outros. Por outro lado, essa pluralidade de vozes leva-nos muitas vezes a ficar hipnotizados pela invenção, perdendo de vista a base comum que os alimenta. Tal fato suscitaria do crítico português Eduardo Lourenço, o comentário irônico: "não falta muito para que Caeiro e Reis e Campos tenham ficheiro nos registros civis reais do nosso mundo irreal."

Em plena aventura de elaboração da revista Orpheu, órgão "oficial" da primeira geração modernista portuguesa, Fernando Pessoa, em carta a seu amigo Côrtes Rodrigues, confessava já o seu afastamento face a uma postura predominante estética, comum a muitas das manifestações modernistas: 

Chamo insinceras às coisas para fazer pasmar, e às coisas - repare nisto que é importante, que não contêm uma fundamental ideia metafísica, isto é, por onde não passa, ainda que como um vento, uma noção da gravidade e do mistério da Vida. Por isso é sério tudo o que escrevi sob os nomes de Caeiro, Reis, Álvaro de Campos. Em qualquer deles pus um profundo conceito da vida, diverso em todos os três, mas em todos gravemente atento à importância misteriosa de existir.

A confissão não deixa de causar uma certa perplexidade, uma vez que são os heterônimos - manifestação suprema de uma construção racional elaborada no campo da linguagem - o que o poeta classifica como "manifestações sinceras". Chegamos assim à questão da sinceridade/fingimento, só passível de resolução se entendermos a mudança que se operou no conceito de representação.

Como notou Walter Benjamim, "em grandes épocas históricas altera-se, com a forma de existência coletiva da humanidade, o modo da sua percepção sensorial". A invenção dos heterônimos foi a resposta encontrada por Pessoa a uma realidade que se mostrava múltipla, oscilante e dinâmica para nela poder sobreviver. O que então nos impede de inserir a alegoria pessoana na apologia da modernidade?

Vivendo sob um regime que isolava em relação ao resto da Europa, Portugal detinha, na época de explosão das vanguardas europeias, características particulares: periférico em relação ao primeiro mundo, centro em relação às colônias, essa condição de semiperiferia imprimiu aspectos particulares às manifestações artísticas do período. Não se tratava de lutar pela emancipação frente a uma realidade externa que o tolhesse em sua especifidade mas, ao contrário, de reclamar um ajuste de contas interno, permitindo-lhe desse modo ascender a um diálogo com o que se passava "lá fora". Nesse sentido, o caráter nacionalista não seria a questão primordial do modernismo português, permitindo que Fernando Pessoa, paralelamente às críticas mordazes que fazia ao provincianismo de seu país, pudesse também mandar à merda os mandarins da Europa, numa tentativa de superar os traumas de dependência que o recente Ultimato inglês (1890) viera agravar. 

São os poemas de Álvaro de Campos, sobretudo as Odes - Ode triunfal e Ode marítima - assim como a Saudação a Walt Whitman, que nos permitem entender melhor a aderência e a recusa do poeta ao modo de "ser moderno". Escritos sob a ótica do engenheiro formado em Glasgow, se por um lado refletem claramente a herança whithmaniana e futurista, logo quebram a sequencia apologética das sensações e remetem para uma nostalgia de unidade perdida através de uma série de rasgos introspectivos inesperados. Nem mesmo o mestre Caeiro, aquele que apregoava que "o mundo não se fez para pensarmos nele/ (pensar é estar doente dos olhos)", escapa dessa duplicidade, pois pensava "como um danado", incapaz de despir o seu ser cansado e humano.

A heteronímia, portanto, longe de se ter constituído em disfarces, representa uma forma profunda de desvendamento, de dar voz aos paradoxos e contradições de uma consciência dividida. Os heterônimos estão irremediavelmente ligados entre si, como por um fio que, ao ser tocado, inevitavelmente lhes altera a todas as posições. A complexidade aumenta por não ser possível desenredá-los e chegar a uma fonte primária e única que os alimente. Só se atinge o grau de ironia que perpassa a poesia pessoana quando se percebe que, para além das diferentes formas que assume sob cada um dos heterônimos, a sua própria concepção diz da impossibilidade de existência como unidade. Nem o ortônimo escapa desta rede de impossibilidades, pois é tão "só" aquela personalidade ficcional, tão ficcional quanto as outras, em relação à qual os heterônimos se constroem. Percebemos isso ao confrontarmos as poéticas subjacentes a cada um dos "modos" pessoanos, e à forma como se desconstroem mutuamente: a opção pelo não-pensamento em Caeiro, oposta à defendida por Reis como espectador da existência; a de Campos, como encenação no mergulho das sensações, à de Pessoa, paralisado pela memória do que nunca existiu - nessa ordem ou em outra, o resultado é que nenhum jamais prevalece sobre as outras.

A questão da verdade/fingimento da poesia pessoana é uma falsa questão, já que há muito o poeta passara para o outro lado do espelho. Ao perder a sua relevância, a heteronímia deixa vir à tona o que é de fato significativo: que, ao multiplicar a simbologia do seu nome, Fernando Pessoa diz-nos, através da aparente festa da fragmentação, da impossibilidade de ser uno. (Texto de Madalena Vaz Pinto autora da dissertação Eça-Pessoa).












A discussão sobre a obra de Pessoa cai frequentemente no "biografismo", esquecendo que seus heterônimos são criações ficcionais e por isso obscurecendo a reflexão sobre questões fundamentais para o fazer poético contemporâneo que ele empreende através das vozes de suas personagens. Por Frederico Barbosa.

Pessoa além dos heterônimos

Ao escrever sobre Fernando Pessoa, o poeta mexicano Octavio Paz declara que "os poetas não têm biografia. Sua obra é sua biografia". Afirma ainda que, no caso de Pessoa, "nada em sua vida é surpreendente - nada, exceto seus poemas". Homem de vida pública modesta, Fernando Pessoa dedicou-se a inventar. Através da poesia, criou outras vidas, despertando, assim, o interesse por sua própria vida tão pacata.

Os estudiosos seguem discutindo por que Pessoa teria criado seus heterônimos. Seria esquizofrenia? Psicografia? Uma grande piada? Um genial jogo de marketing poético? Seria a inventividade de Fernando Pessoa grande demais para caber em um só poeta?

Fernando Pessoa viveu intensamente os primórdios do modernismo. A arte, no momento da explosão das inúmeras vanguardas modernistas por todo o mundo, também se dividia e se multiplicava. Pessoa, um dos introdutores das vanguardas modernistas em Portugal, ao se dividir, levou a fragmentação da arte moderna às últimas consequências. 

Excepcional dramaturgo, Fernando Pessoa descreveu sua obra heteronímica como "um drama em gente, em vez de atos". Ao explicá-la, em carta a seu amigo Armando Côrtes Rodrigues, insiste na ideia de que se trata de obra dramática, ao comparar as vozes de suas criações à da personagem Shakespeariana:

Isso é toda uma literatura que eu criei e vivi, que é sincera, porque é sentida, e que constitui uma corrente com influência possível, benéfica incontestavelmente, nas almas dos outros. O que eu chamo literatura insincera não é aquela análoga à do Alberto Caeiro, do Ricardo Reis ou do Álvaro de Campos. [...] Isso é sentido na pessoa de outro; é escrito dramaticamente, mas é sincero (no meu grave sentido da palavra), como é sincero o que diz o Rei Lear; que não é Shakespeare, mas uma criação dele.  

Nesse sentido, um momento de sua vida torna-se muito revelador. Em 1915, Pessoa e seus companheiros modernistas concretizam um sonho antigo, publicam a revista Orpheu. E como Pessoa desejara esse momento! Lutara pela criação de um órgão de divulgação de suas idéias, empenhara-se em realizar o projeto, acreditando na importância da revista para a vida cultural portuguesa e para sua própria trajetória poética e pessoal. E a história provou que estava certo. Os poemas de Álvaro de Campos publicados no número inicial de Orpheu causam furor. Mas como Fernando Pessoa, ele-mesmo, apresenta-se aos leitores do seu país nesse momento tão crucial? Não como poeta, e sim como dramaturgo. Publica a peça O marinheiro, que classificou como "teatro estático", herdeiro direto da arte sutil de Tchecov e precursor de Samuel Beckett. Na peça, três "donzelas" velam o cadáver de uma quarta. Sob suas falas, podemos ler Caeiro, Campos e Reis ganhando vida e despedindo-se de seu criador. Ao mesmo tempo, nascia o maior drama jamais criado na língua portuguesa: a obra heteronímica de Fernando Pessoa. 

Trata-se de uma obra teatral construída com tal maestria que haveria de fazer com que a miséria do biografismo que assola os estudos literários luso-brasileiros deturpasse a frase de Octavio Paz sobre Pessoa: "os poetas não têm biografia. Sua obra é sua biografia". Já que a própria vida de Pessoa não dá "pasto à crítica do futuro", e já que a tentação do biografismo é inescapável, surgiram os estudos biográficos da obra ficcional pessoana. Assim como se discute se Capitu traiu ou não Bentinho, se Paulo Honório de fato se arrependeu, se Miguilim era filho desse ou daquele, estudam-se as personagens de Pessoa como se fossem gente, muitas vezes esquecendo do que são: criações ficcionais, poesia. 

Uma poesia viva que reflete sobre a própria arte poética. Através das polêmicas travadas pelos heterônimos antagônicos, Campos e Reis, Pessoa apresenta questões fundamentais para o fazer poético contemporâneo. 

Afirma Álvaro de Campos:

A poesia é aquela forma da prosa em que o ritmo é artificial. (...) Mas pergunta-se: por que há de haver ritmo artificial? Responde-se: porque a emoção intensa não cabe na palavra: tem que baixar ao grito ou subir ao canto. (...) É isto a poesia: cantar sem música. Por isso os grandes poetas líricos, no grande sentido do adjetivo "lírico", não são musicáveis. Como o serão, se são musicais? 

Responde Ricardo Reis:

Diz Campos que a poesia é uma prosa em que o ritmo é artificial. Considera a poesia como uma prosa que envolve música, donde o artificio. Eu, porém, antes diria que a poesia é uma música que se faz com idéias, e por isso com palavras. (...)  Quanto mais fria a poesia, mais verdadeira. A emoção não deve entrar na poesia senão como elemento dispositivo do ritmo, que é a sobrevivência longínqua da música no verso. (...) A poesia é superior à prosa porque exprime, não um grau superior de emoção, mas, por contra, um grau superior do domínio dela, a subordinação do tumulto em que a emoção naturalmente se exprimiria (como verdadeiramente diz Campos) ao ritmo, à rima, à estrofe.

Os desdobramentos da produção poética, dos primórdios do modernismo até o dia de hoje, tornam ainda mais cruciais tais preocupações sobre o fazer da poesia. Pessoa refletia, através das vozes de suas personagens, sobre as relações entre poesia e música, emoção e criação poética, controle e rebeldia, etc. É preciso continuar a fazê-lo, seja debruçando-se sobre a obra do próprio Fernando Pessoa, seja sobre a de qualquer poeta. Indo muito além do biografismo e, no caso específico, muito além do fenômeno da heteronímia. Essa é a mais justa homenagem que se pode prestar ao obscuro e modesto lisboeta que vem se tornando, a cada dia mais, um nome conhecido em todo o mundo. Graças ao poder da palavra. Graças à magia inventiva da poesia. (Texto de Frederico Barbosa, poeta, autor de Rarefato (Iluminuras), Nada feito nada (perspectiva) e outros)


PSIQUETIPIA (OU PSICOTIPIA)

Símbolos. Tudo símbolos...
Se calhar, tudo é símbolos...
Serás tu um símbolo também?

Olho, desterrado de ti, as tuas mãos brancas
Postas, com boas maneiras inglesas, sobre a toalha da mesa,
Pessoas independentes de ti...
Olho-as: também serão símbolos?
Então todo o mundo é símbolo e magia?
Se calhar é...
E porque não há-de ser?

Símbolos...
Estou cansado de pensar...
Ergo finalmente os olhos para os teus olhos que me olham.
Sorris, sabendo bem em que eu estava pensando...
Meu Deus! e não sabes...
Eu pensava nos símbolos...
Respondo fielmente à tua conversa por cima da mesa...
"It was very strange, wasn’t it?"
"Awfully strange. And how did it end?"
"Well, it didn’t end. It never does, you know."
Sim, you know... Eu sei...
Sim, eu sei...
É o mal dos símbolos, you know.
Yes, I know.
Conversa perfeitamente natural... Mas os símbolos?
Não tiro os olhos de tuas mãos... Quem são elas?
Meu Deus! Os símbolos... Os símbolos...

7-11-1933
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).  - 296.

Fontes: Os Labirintos poéticos de Fernando Pessoa, Revista CULT, ano II, nº 18, janeiro/99, arquivos pessoais e o livro: Fernando Pessoa, Poemas Escolhidos (klick editora).