Rogério Duprat (Rio de Janeiro, 7 de fevereiro de 1932 — São Paulo, 26 de outubro de 2006) foi um compositor e maestro brasileiro. Um dos maiores responsáveis pela ascensão da Tropicália, personalizando o som do então emergente movimento musical com arranjos bem elaborados, criativos e perfeitamente antenados com as tendências internacionais da época.
Duprat se iniciou na música por acaso. Seus primeiros instrumentos foram o violão, o cavaquinho e a gaita de boca que tocava "de ouvido". Posteriormente teve formação erudita, participando de orquestras como a Orquestra de Câmara de São Paulo, da qual foi membro fundador em 1956. Duprat foi aluno de Karlheinz Stockhausen na Alemanha junto do músico norte-americano Frank Zappa.
Em 1963, ao lado do também maestro Damiano Cozzella, Duprat usou um computador IBM 1620 da Escola Politécnica da USP para compor uma peça intitulada Klavibm II. A experiência era inédita no Brasil e pode ser encarada como precursora da chamada música eletrônica. Duprat ainda foi professor da Universidade de Brasília, da qual saiu junto com vários colegas devido à intervenção do governo militar na Universidade.
Mudou-se para São Paulo em 1964 e nos últimos anos viveu em um sítio em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo.
Rogério Duprat é mais conhecido pelo seu envolvimento com o movimento tropicalista no final da década de 1960. A intenção do maestro era romper com as barreiras entre a música erudita e a música popular. Duprat arranjou canções de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Os Mutantes, Gal Costa, Nara Leão, entre outros. O maestro ficou conhecido como o "George Martin" da Tropicália.
Nos anos 70, Duprat trabalhou com Walter Franco e o grupo O Terço. Também deixou registrada sua marca em arranjos de discos da Disco Music nacional, em especial em álbuns do grupo carioca, As Frenéticas. Na mesma época passou à produzir jingles publicitários. Com a progressiva perda da audição, o maestro foi se afastando do meio musical e se manteve recluso em seu sítio em Itapecerica.
Sofrendo de mal de Alzheimer e câncer de bexiga, Duprat foi internado no dia 10 de outubro. O quadro evoluiu para insuficiência renal, levando-o a falecer. Seu velório ocorreu no Museu da Imagem e do Som de São Paulo, e o corpo foi cremado no dia 27 no crematório da Vila Alpina.
Uma curiosidade: Apesar do jeito pacato e do ar de senhor respeitável, o maestro não tinha limites para suas invenções. Quando o AI-5 baixou sobre a classe artística nacional, ele produziu o famoso disco branco de Caetano Veloso (1969), e como não dava para ser dito muita coisa, ele expeliu seus sentimentos de forma nada convencional: é só ouvir a faixa "Acrilírico", e esperar chegar ao tempo de 1.39s, em meio a um caos sonoro ouve-se um pum, feito pelo próprio maestro. Um belo resumo do que ele pensava de tudo aquilo. "Quando ele me mostrou, achei aquilo estranho demais, mas como o respeitava muito não tive coragem de mandar mudar." Palavras de Caetano Veloso, em um documentário sobre a música brasileira dos anos 60.
Com a progressiva perda da audição, ao longo dos últimos 30 anos, Duprat foi se afastando do meio musical e se manteve recluso em seu sítio em Itapecerica. Morreu aos 74 anos devido a um câncer na bexiga e ao mal de Alzheimer.
Convocamos uma turma da pesada para falar sobre o legado do artista que revolucionou a música brasileira - e em vários sentidos
LEMBRANDO A GENIALIDADE DE DUPRAT
Rogério Duprat fez a conexão da Tropicália com a vanguarda musical daquele período. Ele assinou, ali, a relação daquilo que os tropicalistas iniciais, Tom Zé, Caetano e Gil, vinham informados da experiência dos Seminários Livres de Música na Universidade Federal da Bahia dados pelo Koellreutter. E em São Paulo, o par do Koellreutter é o Duprat, por um lado da música Duprat-Medaglia, mas ainda mais o Duprat, que era um cara mais radical e vanguardista que o Medaglia; mais informado e mais conectado com as relações entre a música erudita e o cenário da música pop internacional, pelo lado do discurso, das letras e da poesia com os concretistas. É o Duprat quem dá inteligência vanguardista para a Tropicália. A gente tem que lembrar que a Tropicália é um movimento cultural, ele tem essa característica de juntar gente diferente de áreas diferentes, fazendo coisas diferentes. Então você tem o pessoal das artes plásticas, o Oiticica, o Rogério Duarte, sai ali do cenário da arte contemporânea da época, das discussões do concretismo ou do não concretismo, e se aproxima ali da forma de expressão mais anárquica e vanguardista. Todo esse arcabouço relacionado à arte contemporânea da vanguarda alimenta esses artistas pop que serão o Tom Zé, o Gil, o Caetano e toda turma que eles reuniram. Nesse sentido, o legado do Rogério Duprat é complicar a ideia da Tropicália - complicar para o bem e introduzir um ruído que até então a cultura de massa não conhecia. Quando você vê a imagem do povo entrando com uma informação restrita a círculos muito pequenos - da poesia, da música erudita e até mesmo da universidade - e faz essa informação circular na forma de uma canção pop quase perfeita que é Domingo no Parque na televisão... Como você faz música tão simples e tão complicada, tão linda e tão genial? Isso vai dialogando com linguagens muito diferentes e colocando todo mundo em confronto. E é isso que a Tropicália tem de inteligentíssimo, essa junção de gente maluca, pensando cada um na sua, mas numa única direção. Quarenta anos depois, você vê tudo isso reacontecendo em uma rede. Mas as ferramentas deles eram mais acústicas, as mais avançadas da época, mas parece heroico fazer o que hoje em dia nós temos na ponta dos dedos. Rogério Duprat estaria se divertindo hoje em dia com as redes sociais.
BIA ABRAMO, jornalista
O trabalho de Rogério Duprat fez toda a diferença na modernização da música popular brasileira. O maestro, que já havia assinado arranjos para bossanovistas de primeira hora, vinha do movimento vanguardista Música Nova e de estudos, na Europa, com Pierre Boulez e Karlheinz Stockhausen, ofereceu uma inestimável e anárquica contribuição erudita ao tropicalismo, que por sua vez retomou os preceitos do antropofagia modernista de 1922. Uma retomada em plena revolução comportamental, política e estética dos anos 1960. A ideia de juntar Os Mutantes e Gilberto Gil na defesa de Domingo no Parque, no III Festival de MPB da TV Record, em 1967, foi dele. Aliás, por esse arranjo Duprat sagrou-se o melhor da categoria naquele ano. Duprat é o elemento da maluquice com estofo de alta vanguarda na geleia geral. Um desses acontecimentos monumentais da arte brasileira. Nos anos 70, Duprat trabalhou como arranjador de outras obras-primas (vide Construção e Deus lhe Pague, de Chico Buarque). A atuação do criador no cine-ma de Walter Hugo Khouri, por exemplo, também é notável. Filmes como Noite Vazia, Ilhas, O Corpo Ardente e As Cariocas têm trilhas sonoras assinadas por ele. Trilhas devidamente premiadas.
RODRIGO CARNEIRO, jornalista e músico
Rogério Duprat foi o George Martin brasileiro. É clichê, porém verdade. Tanto Martin com os Beatles quanto Duprat com Os Mutantes melhoraram o que já era excelente. A diferença é que Martin acumulava as funções de músico auxiliar, arranjador complementar e produtor dos discos dos Beatles, enquanto Duprat fazia 'apenas' os arranjos para orquestra - mas que arranjos! E, assim como seu colega inglês, Duprat merece ser lembrado por muito mais que seus serviços para Os Mutantes. Basta lembrar seu arranjo dissonante e aflitivo para Construção, de Chico Buarque, idem com os LPs Tropicália e o de Nara Leão de 1968, seus LPs solo A Banda Tropicalista do Duprat (sucessos do momento) e Nhô Look (canções caipiras), seus discos de modinhas dos séculos 18 e 19... Duprat pode ser ocasionalmente tão "esquecido" quanto, mal comparando, Thomas Edison ou Santos Dumont, mas suas invenções continuam sempre presentes e inspiradoras.
AYRTON MUGNAINI JR., jornalista, compo-sitor e pesquisador de música popular
O Rogério tinha uma área de atendimento muito ampla porque os 'vestidos', para ele, duravam seis meses. Ele era uma pessoa ávida por novas coisas, então a gente vê perfeitamente isso no que ele pensava quando foi professor em Brasília. Dois anos depois, possivelmente no momento em que ele começou a trabalhar com cinema, seu estilo mudou bastante, ele tinha posições novas em cada canto. Em cinema isso foi muito útil, porque logicamente o músico pega filmes substancialmente diferentes - como no meu caso, que sou montador, também pego a comédia, o drama, um filme de cangaço, um filme policial, um filme histórico, e o músico passa pelo mesmo processo. O Rogério Duprat tinha humildade, sabendo que ele era o último técnico de cinema a trabalhar num filme e que ele deveria trabalhar para o filme e não para ele. É por isso que a gente vê essa mutação, onde ele faz uma música avançadíssima como no caso da música dos filmes do primo dele, o Walter Hugo Khouri. O Rogério foi o maior músico de cinema que o Brasil teve nos anos 1960 e 70, exatamente por causa dessa maneira humilde que tornava sua música sempre funcional; ele fazia uma música para o filme, e não uma música para ser ouvida na sala de visita.
MAXIMO BARRO, professor da Faculdade de Cinema da FAAP
O grande público brasileiro sabe, no máximo, que Rogério Duprat foi uma espécie de maestro erudito do movimento tropicalista, na década de 1960, mas o legado desse grande artista é bem maior. Com seus criativos arranjos musicais e ideias sonoras, Duprat colaborou ativamente para derrubar as supostas fronteiras entre o erudito e o popular, no universo da música brasileira. Diferentemente de alguns de seus colegas, não foi por narcisismo ou esnobismo que Duprat se envolveu com algumas correntes da música contemporânea de vanguarda, como o dodecafonismo ou o serialismo. Duprat era um artista inquieto e fascinado pelo novo, pelo inusitado, com um humor rasgado e iconoclasta que marca grande parte de sua obra. Mesmo depois de já ter lido algumas entrevistas dele, ao conhecê-lo pessoalmente, na década de 90, quando o entrevistei para os meus livros sobre a Tropicália e Os Mutantes, fiquei impressionado por sua simplicidade e bom humor, mesmo que ele já estivesse quase surdo. Costumava dizer que não via diferença entre sua obra musical e a de um Zé das Couves qualquer. Hoje, poucos sabem que foi Duprat quem apresentou o trio Os Mutantes (formado por Rita Lee e os irmãos Sérgio e Arnaldo Baptista), quando escreveu o sensacional arranjo para Domingo no Parque, em 1967, preconizando a estética sonora tropicalista, em cujo desenvolvimento teve um papel essencial. Menos gente ainda sabe que Duprat também deixou sua marca nos arranjos de alguns dos melhores discos de Chico Buarque, Gal Costa, Nara Leão, Walter Franco e Erasmo Carlos, entre outros. Assim como a Tropicália, a música popular brasileira de qualidade deve muito a Rogério Duprat.
CARLOS CALADO, jornalista
Rogério Duprat é um dos nomes mais importantes do mundo da música, não apenas brasileira, mas mundial. A sua genialidade alinha-se a gente como George Martin, Frank Zappa ou, em menor escala, Esquivel. O tropicalismo é invenção de Gil & Caetano, mas sem Rogério Duprat não existiria na forma que conhecemos. Seu trabalho com Os Mutantes também transformou a banda em fenômeno mundial, até hoje capaz de surpreender as novas gerações. A obra de Duprat, mesmo não sendo autoral, inscreve seu nome entre os grandes gênios da música brasileira como Villa-Lobos, Pixinguinha, Antonio Carlos Jobim e Roberto Carlos, entre alguns outros.
FERNANDO ROSA, jornalista e produtor cultural
Fonte: http://gazetaweb.globo.com/gazetadealagoas/noticia.php?c=211985