A primeira obra de Jack Kerouac. É uma das que mais gosto do autor por fazer saltar imagens muito sensoriais em minha cabeça. Os guetos, as ruas sujas, a pobreza, uma galinha ciscando na cozinha (os animais domésticos são bem presentes na obra), as drogas para suportar a dureza dos dias, a prostituição, as roupas rotas, os olhos tristes de Tristessa, a paixão… A narrativa gira em torno da paixão de Jack Kerouac, quando de sua ida ao México, por uma garota chamada Tristessa.
Tris-te-ssa, um nome lindo. Uma das personagens centrais do livro. Uma índia asteca viciada em morfina, com os olhos de misteriosas pálpebras. Eu a imagino com seus olhos, olhos que a gente olha e quer ficar olhando, deixando-se levar suavemente nas ondas de beleza.
É um livro rápido de se ler, mas intenso sensorialmente, pelo menos foi essa a minha impressão, me senti transportado para um ambiente do qual acho perfeito.
Um mundo de pulsações delirantes e devaneios, uma garota dessas que a gente se apaixona por alguns detalhes e não consegue vivê-la da forma que gostaria, e então a gente usa um pouco de álcool para tentar escapar, a mistura do amor com uma dor sem vítima, as dores de um mundo tal como é e ao mesmo tempo as suas forças apaixonantes.
A narrativa de Kerouac favorece, quem o conhece sabe, o foco está muito mais em permitir a consciência fluir tal como se apresenta do que passá-la pelas regras e formas da letra.
Recomendadíssimo!
Escrito por Adriel Dutra
Fonte: http://letraefilosofia.com.br/tristessa-jack-kerouac-resenha/
ALGUNS TRECHOS DA OBRA
Tristessa está doidona, linda como sempre. Vai alegre para casa deitar na cama e curtir sua morfina.
Saí dessa conversa com a visão de Tristessa em minha cama, em meus braços, a estranheza de seu rosto amoroso, asteca, garota índia com olhos de Billie Holliday misteriosos e semicerrados e com uma grande voz melancólica como as atrizes vienenses de rostos tristes como Luise Rainer que fizeram toda a Ucrânia chorar em 1910.
Ed. L&PM Pocket
Curvas lindas em forma de pera moldam a pele de seu rosto, que tem pestanas compridas e tristes, e uma resignação de Virgem Maria, e uma compleição cor de café e textura de pêssego e olhos de um mistério impressionante com uma falta de expressão de profundidade rasteira, meio desdém meio um lamento de dor pesaroso.
Ela encurva os ombros com rosto de camponesa, compreendendo a si mesma de uma maneira que eu não consigo e quando olho para ela sob o tremeluzir da vela sobre as maçãs protuberantes de seu rosto e ela parece tão bonita quanto uma Ava Gardner Negra, uma Ava Marrom de rosto comprido e ossos compridos e olhos semicerrados de cílios compridos
Tristessa tira as meias para entrar nos cobertores da cama dizendo um segredo de frases de amor veneráveis a meia-voz (“Tristessa, O Yé comme tu est Belle”) (o que, sem dúvida, é o que estou pensando mas tenho medo de olhar e ver Tristessa tirar suas meias de náilon com medo de conseguir ver suas coxas cor de café com leite e ficar louco)
O gatinho mia apressado por carne – ele mesmo um pedaço de carne agitado – espírito devora espírito no vazio geral.
(…) e aquele rosto tão expressivo, de dor e beleza que sem dúvida ajuda na construção deste mundo fatal (…)
QUERO TOMÁ-LA COM as duas mãos pela cintura e puxá-la devagar para perto com poucas palavras bem escolhidas de ternura súbita como “Mi gloria angela” ou “Mi qualquer coisa” mas não tenho linguagem para encobrir meu embaraço
Desde o começo insondável dos tempos até o futuro infinito, os homens têm amado as mulheres sem lhes dizerem (…)
Tristessa. JACK KEROUAC. Ed. L&PM Pocket. 107p.
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