sexta-feira, 14 de agosto de 2015

NÃO É A MAMÃE (PARA ENTENDER A ERA DILMA) - GUILHERME FIUZA (DICA DE LIVRO)

O jornalista Guilherme Fiuza não tem o hábito de reler suas crônicas publicadas semanalmente em O GLOBO e na revista “Época”. Ele conta que os textos martelam na sua cabeça durante muito tempo e vão para o papel quase prontos. Ao receber um convite para reunir em livro suas análises sobre o governo de Dilma Rousseff, num período que vai de antes da campanha eleitoral de 2010 até meados deste ano, ele repassou o que tinha escrito e enxergou um retrato irônico do país e da sua “enteada”, como se refere à presidente, já que Lula “é o filho único do Brasil”. Com o título “Não é a mamãe: para entender a Era Dilma” (Record), a obra será lançada na próxima quinta-feira, às 19h30m, na Livraria da Travessa do Shopping Leblon.

O título, explica Fiuza, sintetiza a sua maior crítica ao governo atual: tentar parecer o que não é. Na sua opinião, trata-se de um projeto que busca se perpetuar no poder para viver, junto com seus aliados, das benesses do Estado, ao mesmo tempo em que se afirma defensor das pessoas que estariam sendo massacradas “por uma suposta elite de direita”.

— Eles têm esse discurso que considero hipócrita e mentiroso e a “mamãe” foi uma dessas tentativas de vender um símbolo que não traduz a substância — critica o jornalista. — O livro coloca o quadro completo, fica clara a continuação das tramas, dos personagens. Fica mais fácil de compreender o enredo. Porque boa parte da opinião pública brasileira ainda acha que a Dilma é uma boa gerente, que o problema dela é ser autoritária, intolerante. Isso é falso. Na biografia dela, você não encontra a boa gerente. Vários problemas do seu governo surgiram de projetos que ela já coordenava antes.

A obra é organizada em cinco partes: “Dilma é a mãe (2010)”, “A faxineira (2011)”, “A babá de Rosemary (2012)”, “A plebiscitária (2013)” e “Mamãe voltou (2014)”. Fiuza chama a faxina feita pela presidente no seu primeiro ano de mandato de “maior mal-entendido da história contemporânea”, já que o Departamento Nacional de Infraestrutura (Dnit) era um dos órgãos responsáveis por tocar os projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

— Era o governo dela, montado teoricamente por ela, que estava todo podre. Foi a imprensa que levantou tudo e foi estourando, como no caso do Ministério dos Transportes. A Dilma era a mãe do PAC e vários projetos estavam ali, no Ministério dos Transportes. Ela acompanhou tudo aquilo e aí começou a aparecer uma série de superfaturamentos e aditamentos. Não se trata de um acaso, aqueles escândalos já estavam plantados ali — afirma o jornalista.

HUMOR A SERVIÇO DA CRÍTICA
Apesar da série de denúncias de corrupção contra os governos do PT, Lula se reelegeu, terminou o mandato com a maior aprovação popular da História e ainda fez a sua sucessora. Como entender tamanho sucesso? Nas suas crônicas, Fiuza faz críticas duras à falta de reação da opinião pública frente aos escândalos. Ele afirma que, em 2003, Lula recebeu uma casa arrumada, surfou uma época de bonança internacional e conseguiu colar o sucesso do período às suas políticas.

— Minha crítica acaba sendo mais à própria opinião pública do que ao PT. Porque quando acontece algo desse nível (como os escândalos no Dnit), uma sociedade saudável tem que perceber que as coisas não podem continuar do mesmo jeito — afirma ele, rebatendo as críticas de que apoia o PSDB. — Não acho o PSDB bom e o PT ruim. Tenho várias críticas ao partido e ao Fernando Henrique. Mas sou realista, quero ver o Brasil como ele é. Houve arrumação com o Plano Real, estabilização monetária, responsabilidade fiscal, as bases que o país precisava para evoluir. Lula assumiu e pegou um ciclo virtuoso da economia internacional. A vida das pessoas melhorou e o eleitor vota com o bolso. Houve uma colagem entre as duas coisas, como se tudo tivesse melhorado porque o Lula era pobre ou bonzinho ou tinha sensibilidade social.

Nas suas crônicas, o jornalista gosta de cunhar expressões irônicas, como “DisneyLula”, “João Paulo Cunha, o Mandela brasileiro” (o ex-deputado se comparou ao líder sul-africano após ser condenado no processo do mensalão), e “quadrilha do bem”. Ele conta que as ideias surgem a partir do noticiário e que o escárnio é uma maneira de despertar as pessoas, colocando o humor a serviço da crítica.
No entanto, as expressões podem provocar reações exaltadas. Uma das que provocou a maior repercussão foi “Primavera Burra”, para se referir aos protestos de junho de 2013. O jornalista defende que não existe nenhum “recado das ruas” e o que ocorreu foi uma grande mobilização contra o mal-estar provocado pelo aumento da inflação. Para ele, houve um despertar para a política, e, ao mesmo tempo, o debate virou um “Fla-Flu”.

— Por que as pessoas foram as ruas de repente? A vida foi ficando mais cara, mais apertada, os dados de emprego começaram a piorar. As pessoas sentem e foram para as ruas mesmo sem saber direito a razão de estarem tão insatisfeitas — resume. — Fico chocado com como essa galera da Primavera me odeia. Essa minha tomada de posição gerou um antagonismo muito forte, vi pessoas amigas, jovens, virem falar comigo cheio de raiva. Há um Fla-Flu muito exacerbado entre credos diferentes. Há muita intolerância de quem quer assumir uma posição política.
(Fonte: O Globo)

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