Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias, criadores dos Mutantes. Adolescentes que dividiram a história da música pop brasileira em antes e depois de sua aparição, em 1966. Donos de uma originalidade e de um senso de humor que se encaixavam com perfeição no que a turma do Tropicália procurava. Como todo mundo na época, fãs dos Beatles. Capazes de colocar rock, sertanejo, clássico, progressivo e o que mais pintasse numa mesma canção. Exímios músicos, estavam sempre em busca de aperfeiçoamento, de algo mais. No estúdio, sentiam-se livres para experimentar qualquer efeito, técnica ou recurso que enriquecesse sua arte. A primeira grande aventura do rock no Brasil.
Arnaldo, namorado de Rita e irmão de Serginho. A partir de 1970, estabilizam-se como quinteto, com o baterista Dinho e o baixista Liminha. Em 1972, acaba o romance entre Rita e Arnaldo. No mesmo ano, ela sai dos Mutantes. Em 1973, gravam o rebuscado O A E O Z, uma guinada em direção ao progressivo. É a vez de Arnaldo cair fora, seguido por Dinho. Liminha pede as contas em 1974. Serginho segura o grupo com inúmeras formações até 1978, já imerso numa forma mais rebuscada de fazer música. Em 1982, Arnaldo pula da janela do hospital onde fora internado com mais uma crise de depressão. Dois meses depois, sai do coma, mas com sequelas.
É praticamente impossível conversar com seus ex-integrantes sem misturar carreira artística com vida pessoal. Nenhum deles mantém contato frequente e abordar o passado parece desenterrar vários fantasmas. Por quê? Cada um tem a sua versão. A única questão em que todos concordam é que a banda estava à frente de seu tempo, fato comprovado pelo número de fãs, que não para de crescer - aqui e no exterior. Como brinca Rita Lee, "melhor (Mut)antes que depois".
Mutantes por eles mesmos:
O que você acha da banda ser mais respeitada e reconhecida hoje do que quando estava em atividade?
Rita: Acho totalmente coerente com Mutantes esse reconhecimento au grand complet só agora no terceiro milênio. Os gringos realmente chegaram às Índias tropicalistas com mais de 30 anos de atraso, o que me dá motivos mais para fazer piada do que para ficar deslumbrada. O futurismo sonoro que rolava solto enquanto participei da banda acontecia de uma maneira natural e espontânea, nada era planejado. Havia uma busca por um som "não-popular", nunca tivemos intenção de fazer músicas para o consumo daquela época. Talvez tenha sido esta estética do "scape from planet Earth" ou do "hay govierno soy contra" que fez com que os Mutantes se sentissem mais em casa no terceiro milênio do que na época em que existíamos.
Sérgio: Não entendo esse negócio de "ser reconhecido depois de 30 anos". Só se for pelos gringos. No Brasil, Mutantes nunca parou de ser vanguarda, desde que surgiu. Nunca deixou de influenciar a música brasileira de toadas as formas e maneiras. Acho legal, jóia vir esse reconhecimento de fora, mas não faz tanta diferença assim a ponto de eu pensar:"Finalmente!". Como ser mais reconhecido do que já fomos pelo público brasileiro, pela imprensa, durante esses anos e anos em evidência?
Liminha: Veja as pessoas que elogiaram a gente: Kurt Cobain... Acho esse cara o máximo, a maior figura do rock nos últimos tempos. Não conheço a dimensão desse culto lá fora, mas tem muita gente aqui que também gosta da banda. A música brasileira sempre teve problemas para se projetar no exterior. Primeiro, por causa da língua. Além disso, os Mutantes estavam adiantados em relação à sua época.
Dinho: Chega a ser engraçado tanta coisa acontecendo com os Mutantes agora. Nunca imaginei que um dia o filho do John Lennon fosse gostar do grupo.
Os Mutantes tinham consciência da profundidade do que estavam fazendo, de seu papel revolucionário?
Arnaldo Baptista: O fato de a gente ser mais cosmopolita influenciou bastante. A primeira vez que ouvi Sgt. peppers foi com Gilberto Gil, na época em que ele namorava Nana Caymmi. Curtíamos muito música estranngeiira. E Gil tinha uma coisa romântica, poética no violão. Mas nunca pensamos que estávamos revolucionando totalmente. Eu sempre achava que faltava algo. Foi isso que fez a gente crescer musicalmente.
Rita: Agimos sem qualquer consciência da revolução que posteriormente nos creditaram. Rock era nosso estilo predileto e não nos sentíamos peixes fora d'água nesse panorama. Tentar compensar a defasagem tecnológica com a criatividade caseira virou um dos motivos pelos quais os Mutantes sempre estiveram anos luz à frente de seu tempo.
Sérgio: A gente sabia que era bom e sabia o que estava fazendo. Existia uma busca de excelência, orgulho de tocar bem, ter boas canções, bons vocais, boas letras. Diziam que eu era o melhor guitarrista daqui, por quê? Porque eu ralava 15 horas por dia! E por que eu fazia isso? Porque queria ser bom! Não queria estar abaixo dos meus ídolos: Les Paul, Nokie Edwards (dos Ventures)... Estudava tudo. Ouvia minha mãe tocar clássico e eu ia tirar na guitarra.
Quando Gilberto Gil mostrou sua insatisfação com o arranjo de "Domingo No Parque", classificada para o III Festival da Música Popular Brasileira, em 1967, o maestro Júlio Medaglia indicou um colega para executar a tarefa. De formação clássica, Rogério Duprat pretendia eliminar as barreiras entre erudito e o popular, mas achava a MPB reinante muito careta. Até que conheceu os Mutantes. Como sabia da disposição de Gil, sugeriu o trio para acompanha-lo. "Nenhum dos outros grupos tinha aquela ingenuidade gostosa, agradável, aquelas encenações que eles faziam", lembra o maestro. Nascia, ali, uma troca de influências que daria o que falar: Mutantes, Duprat e o tropicalismo.
Tão logo terminou sua participação em "Domingo No Parque", a banda foi convidada por Manuel Barenbein para gravar um disco. Produtor do pessoal da Jovem Guarda e da Bossa Nova, ele "comprou a briga dos tropicalistas com carinho e determinação", como definiu Caetano Veloso. Arnaldo, Rita e Serginho já vinham frequentando o Hotel Danúbio, onde encontravam com Gil, Caetano, Gal Costa, Beat Boys, Torquato Neto. E com Duprat. Os três chamavam a atenção pela porra-louquice, pela ausência de regras, exatamente o que os baianos estavam procurando, num tempo em que a simples menção de usar uma guitarra elétrica ouriçava os tradicionalistas.
"Os Mutantes me davam subsídios para avançar no terreno das idéias. Minha função era coordenar o caos - e nem era um caos, porque eles sabiam exatamente o que queriam. Traziam inovações, como fazer a marcação de ´Le Premier Bonheur Du Jour` usando uma bomba de Flit (velha engenhoca de pulverizar inseticida). Eu só tive de chegar para o técnico de som e dizer: 'Olha, agora este é que vai ser o som do chimbau` (risos)", dis Barembein.
Os arranjos, claro, ficaram por conta de Duprat - prática mantida até Jardim Elétrico, de 1971, e depois retomada na estréia-solo de Arnaldo, Lóki?, em 1974."Estávamos todos a fim daquilo ali. Não fui eu que fiquei dando aula para eles; ao contrário, eu é que aprenddi com os Mutantes, o Gil, o Caetano, com todo mundo: como fazer uma música que pode ser ao mesmo tempo popular e avançada, à frente dos Beatles", conta o maestro. "Mesmo quando quer ser mais gozado, o inglês é muito certinho, comportado. Agora, brasileiros moleques, um maestro maluco... É aquela coisa de valer tudo. Há um momento em 'Panis Et Circensis' em que a música para, fica só ruído de pratos, 'passa a salada aí'. Isso tinha a ver com o happening que a gente fazia".
O que seriam os Mutantes,não fosse terem cruzado com Rogério Duprat e com os tropicalistas?
Sérgio: Antes mesmo de encontrarmos com Duprat ou com os tropicalistas já fazíamos nossas músicas, como no compacto do O'Seis. Pô, aquilo é alta vanguarda!
Liminha: Com certeza, a convivência com os tropicalistas ajudou muito. Acho que foi uma sacação deles, pela cabeça aberta que tinham, de romper com os padrões da época. Sem dúvida, os Mutantes colaboraram muito nessa coisa.
Arnaldo: Duprat foi importantíssimo. A gente encontrava com Gil, Caetano, Jorge Ben, aquela coisa de violão e vocal, era bonito. Duprat complementou, abriu nossa cabeça, com ele comecei a tocar piano, a desenvolver meu lado clássico. Entramos com guitarra e contrabaixo na MPB.
Rita: Não tenho o menor constrangimento de admitir que, sem os tropicalistas, jamais os Mutantes teriam chance de se projetar com a mesma atenção que despertaram. O futuro de grupos daquela época que só se interessavam por cantar em inglês ou faziam covers de sucessos estrangeiros não era lá tão amplo...
Como, detestando MPB, deu-se a mistura que, no fim das contas, teve forte presença de sonoridades nacionais?
Rita: Havia esse rótulo de "antinacionalistas", mas era puramente sermos do contra. Nem sabíamos direito contra o quê(risos).
Era uma maneira nossa de esnobar quem nos esnobava, ou seja, a MPB, a Jovem Guarda... Criamos fama de "estrangeirados" no meio, e assim ficaríamos eternamente se um belo dia não tivéssemos encontrado Gil, que de MPB radical e de Jovem Guarda não tinha nada. Foi a fome dele com a vontade de comer da gente.
Sérgio: Para começar, a MPB que a gente odiava - e continuamos odiando - é qualquer música popular brasileira burra. Mas, naquela época, éramos fãs de Demônios Da Garoa, de sertanejo... Por exemplo, "2001" (que une sertanejo com rock pesado): não é uma citação, aquilo fazia parte de nossa bagagem musical.
Em 1969, tudo começou a acontecer muito rápido com Mutantes. Gravaram o segundo disco em uma semana e meia, enquanto se preparavam para se apresentar na Mostra Internacional de Disco e Edições Musicais (Midem), em Cannes, na França. Na volta, uma mudança que seia fundamental para o som do grupo. Arnaldo estava tocando teclados, fator que encorpou o trabalho seguinte, A Divina Comédia Ou Ando Meio Desligado, em 1970. O baterista Dinho já participava da banda, e o baixo foi ocupado por Liminha, amigo de Serginho que havia gravado e tocado com eles no festival da Record.
Apesar de ainda serem considerados músicos acompanhantes(cachê menor, sem foto na capa do LP), os dois novos membros mexeram com os Mutantes. "Logo que entrei, fiz umas três músicas. O hit 'Top Top' era meu", recorda o baixista, referindo-se à canção que abre o quarto disco agora quinteto, Jardim Elétrico, de 1971. Em vezz dos três protagonistas da banda, a capa do álbum trazia o desenho de umpé de maconha estilizado, desenhado por Alain Voss. Não que a droga fosse novidade para os Mutantes:: a faixa-título do álbum anterior diz tudo.
O envolvimento com substâncias alucinógenas fora intensificado depois da segunda excursão do grupo para a França, em outubro de 1970. Em Paris, foram introduzidos ao LSD pelo artista plástico, chapa e ex-empresário da banda, Antonio Peticov. Ao retornarem, movidos pelo ideário hippie, decidem morar na Serra da Cantareira, nos arredores de São Paulo.
Qual era o papel de Dinho e Liminha?
Arnaldo: A gente era bem Peter, Paul & Mary: eu, Serginho e Rita. Ensaiávamos com um violão e três vozes. Com Dinho e Liminha, até os ensaios mudaram, ficou aquela coisa poderosa.
Rita: Nos Mutantes havia uma lei Preestabelecida: Independentemente de quem escrevesse letras e músicas, os "três patetas" assinariam, aprendemos isso com Roberto e Erasmo Carlos(risos). Liminha entrou e começou a apresentar composições da autoria dele, mas a lei continuou, apesar de eu achar isso meio tirânico e injusto. Passou-se a creditar a Liminha apenas a co-autoria de certas músicas e letras que, na verdade, eram só dele, como "Top Top", "Portugal De Navio"... Dinho era uma figura muito engraçada, o apelido dele era "professor de pau duro", porque tinha um jeito de velhão, mas só gostava de namorar menininhas muuuito jovens (risos). Praticamente não participava do processo criativo, era uma pessoa muito amiga e sempre tentava resolver os problemas de ego que volta e meia surgiam usando a diplomacia elegante.
Sérgio: Dinho foi um dos bateristas mais criativos e originais que conheci. Por mais simples que pareça, ele nunca fez o óbvio. Era a base, o alicerce. Liminha é um dos melhores baixistas do mundo - e eu já toquei com todos. Mas era normal creditarmos a autoria das canções ao coletivo. É o caso de "Ando Meio Desligado": a música inteira é minha, a letra é de Rita.
Quando as drogas entraram no grupo? Como elas expandiram o som?
Rita: Até o exílio dos mestres, os Mutantes só usavam maconha, uma vez experimentamos ayahuasca e em outra ocasião meia pedrinha de mescalina. Quando fomos nos apresentar no Olympia de Paris, encontramos com Peticov e aí, sim, é que a festa começou. Apenas Serginho se recusou a experimentar LSD, mas o resto da banda entrou de sola. Ficávamos horas e horas, dias e dias, semanas e semanas tocando. Nada de muito objetivo musicalmente, mas grandes viagens em grupo. Nessas é que o som da banda começou a tomar os tais rumos progressivos. Não foi da noite para o dia, mas a ideia de ser "uma pessoa só" passou a assombrar Arnaldo, que praticamente obrigou Serginho a tomar uma única pedrinha, senão ele estava fora do grupo (risos).
Arnaldo: Acho que comecei com maconha ainda nos tempos do (colégio) Mackenzie... Mas a expansão de verdade se deu em Paris, quando tomamos LSD pela primeira vez. Não uso o termo "drogas", chamo de "expansores da musculatura mental". Isso pode ir do cafezinho ao LSD. A gente passou a ter uma visão mais ampla da música. Por exemplo: eu tinha um órgão, passei a usar pedal. Era uma coisa meio assim: "Está tudo muito bom, vamos adiante".
Barebein aponta a estréia-solo de Rita Lee, em 1970, como o primeiro elemento complicador nos Mutantes. "A impressão que eu tive foi de que Arnaldo e Serginho não gostaram nem um pouco, porque sentiam que o grupo iria se desmembrar", revela o produtor.
"E havia esse risco, a ponto de eu e o André (Midani, chefão da gravadora) resolvermos intervir. Colocamos para eles que Build Up era um projeto da Rhodia, um show, e que reverteria como um gancho para os próprios Mutantes. Todo mundo iria ganhar com isso. Dissemos que o produtor seria o Arnaldo, que precisava da participação do Serginho justamente para que se mantivesse a unidade da banda".
Qualquer clima que pudesse pintar foi ultrapassado pelo convite para uma temporada de shows no Olympia, em Paris. O mesmo não dava para dizer do relacionamento entre Arnaldo e Rita. Ainda assim, resolveram casar em 1971, passando por cima das brigas, separações e rolos de cada um. Morar na Serra da Cantareira - onde reinava o amor livre - não ajudou nem um pouco a segurar o romance. No lado profissional, no entanto, tudo continuava certo. Em 1972, saía Mutantes E Seus Cometas No País Do Baurets, último resquício do deboche que sempre caracterizou a banda. A longa faixa que batizara o disco denunciava a próxima onda do grupo: o rock progressivo.
Era tudo o que Rita não queria, a antítese de seu segundo álbum-solo, Hoje É O Primeiro Dia Do Resto De Sua Vida. Ironicamente, é como se fosse um trabalho dos Mutantes, o lampejo final deles juntos: a banda participa de todas a faixas e a direção de produção é de Arnaldo. Paralelo a isso, eles refinavam seu instrumental cada vez mais, incentivados pelas horas que passavam alucinados ensaiando sem a Rita (ocupada com sua carreira) na bucólica paisagem do lugar. A relação entre os dois termina e, pouco depois, Rita deixa o quinteto.
Até em que ponto o início da carreira solo incomodou os Mutantes?
Rita: Berenbein era um produtor muito atento, foi ele que me conectou com Nara Leão, que tinha acabado de fazer a versão de "Joseph", de George Moustakis, mas não pretendia gravar e estava procurando alguém com "voz de anjo" para fazê-lo. Isso aconteceu enquanto os Mutantes estavam brigados. "José" foi um sucesso estrondoso, algo lamentável para a imagem de "anti comerciais" dos Mutantes, que, claro, ficaram putos comigo porque o público exigia a porra da música que tocava pra cacete em todas as rádios do país. Enfim, acho que a cantei uma única vez e nunca mais. Talvez Barembein tenha razão, deve ter pintado um ciúme danado depois disso.
Hoje É O Primeiro Dia Do Resto De Sua Vida é o segundo disco solo de Rita Lee ou o último da banda?
Rita: Na época, estávamos brigadaços, então o Midani me convidou para um projeto solo ligado à Rhodia, que já havia me contratado para fazer shows nos seus desfiles. A ideia de gravar discos desses eventos era sempre planejada. Como os Mutantes "voltaram", achei conveniente convidá-los para participar. Aliás, passei a vida toda considerando esses trabalhos como sendo da banda.
Sérgio: A gente tinha gravado um disco e havia mais material composto. Como lançar dois álbuns no mesmo ano? Para não prejudicar as vendas do outro, gravamos no solo da Rita.
O fim do seu romance com Arnaldo influiu em sua saída?
Rita: Éramos um puppie love, como se dizia na época, ou seja, fui a primeira namorada dele e ele, meu primeiro namorado. Quando entrei para comunicação na USP, não estávamos assim tão apaixonados. Os Mutantes já estavam metidos com os tropicalistas e a coisa profissional começou a ficar séria, teríamos bastante viagens pela frente. Foi então que minha mãe descobriu que nós três estávamos dividindo o mesmo quarto nos hotéis e ficou horrorizada. Praticamente obrigou Arnaldo e eu a casarmos no papel, sem saber que nosso namorico nem existia mais. Durante o casamento, morávamos numa mesma casa na Serra da Cantareira. O amor acabou de vez, mas surgiu uma amizade cúmplice muito legal entre a gente. Ninguém entendia direito como estávamos casados e cada um tinha liberdade para fazer o que bem entendesse. Arnaldo era bastante mulherengo e eu aceitava isso na boa, também tinha meus namoradinhos, e tudo bem com a gente. Não aceito de maneira alguma que o fim do nosso romance tenha sido o pivô da separação do grupo, isso é coisa de quem ficou chupando o dedo.
Por que você saiu da banda?
Rita: Eles estavam pretendendo fazer música progressiva, tipo Yes e Emerson, Lake & Palmer, portanto não havia mais espaço para o deboche musical que coroou a existência do grupo até então. Virei persona non grata na nova proposta e, como fui contra essa estratégia furreca, escolheram me despachar na marra. Levei um bom tempo para curar a mágoa. Hoje, percebo que minha retirada foi fundamental para fazer os gols que fiz no Tutti Frutti e até agradeço aos céus por não ser responsável por aquele negócio de uma pessoa só...
O que os Mutantes perderam com a saída de Rita Lee?
Arnaldo: Perdemos o lado circense, pop. Mas a gente podia buscar um lado mais circense no estilo "globo da morte", mais pesado. Tentei e não consegui. Não foi nem bom nem ruim para os Mutantes: foi evolutivo.
Liminha: Ah, perdeu muito em humor. Rita contribuía bastante nas letras, em tudo. As composições da banda pioraram, os temas começaram a ficar muito bicho-grilo, muito esotéricos, uma coisa meio apocalíptica - e meio chata. A gente também começou a se interessar mais por progressivo, a ouvir muito Yes, King Crimson, Emerson, Lake & Palmer, Pink Floyd, essas coisas.
Você continuou acompanhando os Mutantes?
Rita: Quando deixei os Mutantes fechei a porteira, passei muito tempo não querendo papo com eles e até desejando no fundo do coração que se fodessem. Fiquei profundamente magoada, meus amigos do peito me deram uma facada nas costas para matar... Acontece que aquele som explicitamente clonado foi para mim, um exemplo de decadência criativa. Eu gostava de Yes e Emerson, Lake & Palmer, mas daí a copiar os caras uma grande falta de imaginação. Hoje, quando os gringos mencionam Mutantes, referem-se exatamente à fase do meu tempo, o som "progressivo" passou batido.
Como é que você foi fazer abrir um show para os Mutantes em 1973 e, mais tarde, acabou cantando no disco solo de Arnaldo?
Rita:Ué... Fiquei semanas sem falar com os bofes, para quem convivia todos os dias isso é um tempão, não acha? Nessas semanas em que fiquei exilada, compus "Mamãe Natureza" e ensaiei com Lúcia Turnbull umas gracinhas musicais, formando a dupla Cilibrinas do Éden. O empresário dos Mutantes soube disso e foi gentil me convidando para abrir um show deles no Phono 73, entenndeu? No caso de Lóki?, eu já estava bem mais segura de que havia sido muito bom para mim ter saído dos Mutantes e, como sempre gostei das loucuras do Arnaldo, fui na boa. Aliás, o material gravado no Lóki?, continha umas reminiscências da minha época, então ele achou justo me convidar para participar do disco.
O A E O Z refletia uma paixão que nascera em 1971, quando conheceram o Yes Álbum. Alegando que o álbum não tinha apelo comercial, a Philips optou por não editá-lo e ainda dispensou a banda. O trabalho foi lançado 19 anos depois, já em CD. Arnaldo, já apresentando sinais de que algo não estava em ordem em sua cabeça, sai do grupo.
A partir daí, os Mutantes nunca mais se fixaram numa mesma formação. Dos integrantes originais, apenas Serginho restara para gravar Tudo Foi Feito Pelo Sol, de 1974. Em 1976, lançam Ao Vivoe, em 1978, fazem sua última apresentação, em Ribeirão Preto (SP). No primeiro dia 1982, o baque: Arnaldo se atira do terceiro andar do Hospital do Servidor Público, em SSão Paulo. "Quando aconteceu, eu estava em Nova York e encontrei Serginho, que morava lá. A gente não teve coragem de tocar no nome do Arnaldo? Eu pensava: 'Será que ele não sabe?'. Saíamos juntos, conversamos, mas não falamos no assunto. Foi uma coisa estranhíssima", conta Liminha.
Recuperado, Arnaldo foi morar em Juiz de Fora (MG), onde vive até hoje com sua esposa, Lúcia. Rita Lee seguiu seu destino e se transformou em um dos maiores nomes do Rock brasileiro. Liminha tornou-se um produtor de sucesso, trabalhando com Ultraje A Rigor, Titãs e Kid Abelha, entre outros. Serginho radicou-se nos Estados Unidos, gravou discos com jazzistas e voltou ao Brasil recentemente. Somente Dinho afastou-se da música, abrindo uma assessoria de imprensa ligada ao automobilismo.
Por que os Mutantes adotaram um som progressivo?
Arnaldo: O marco foi o Yes Álbum. Nos Beatles, havia a hora em George improvisava, que Ringo improvisava. Ali, não: parecia que os caras estavam improvisando direto. Tudo o que a gente quis fazer, fez: rock, sertanejo, psicodélico, tropicalismo. Aí quisemos ser progressivos. Foi a última viagem dos Mutantes.
Sérgio: Criaram uma burrice em torno do nome "progressivo", que significa ir para frente. Virou sinônimo de velho. Ridículo: o progresso é velho. Não foram os Mutantes que resolveram fazer progressivo, o mundo é que estava progressivo na época. Óbvio que havia uma barreira entre os caretas e os não caretas. Sabe qual é o doidão? É aquele que cria e depois sua criatividade fala por ele. A gente era doidão - com ou sem ácido.
O que você pretendia ao deixar o grupo?
Arnaldo: Queria fazer a música que eu tinha em mente, que eu sonhava: com continuidade, sem final. Fiquei meio perdido, mas a música continuou o sonho. E Rita estava fora dele.
Como você reagiu à saída de Arnaldo?
Sérgio: Foi um puta caos para mim, uma merda. A saída dele foi uma coisa complexa, muito... Não quero nem falar a respeito. De repente, o Arnaldo, a Rita e o Liminha não eram mais mutantes. Como vou deixar de ser quem eu sou? Continuei fazendo o que eu sentia, até perceber que não estava mais sendo correspondido pelos outros membros da banda.
Liminha: Para mim, acabou a magia. Lembro que a gennte fez um show que foi o máximo. Quando terminou, fui ao camarim e o Arnaldo estava chorando, deitado no chão, chamando pela Rita e não sei o quê, e depois ele saiu. O negócio é que o Arnaldo não era só músico. Ele atuava no conceito da banda, nas ideias, é um cara muito inteligente, espirituoso.
No fim de 1999, chegou às lojas Tecnicolor, disco gravado durante a estada em Paris, em 1970, visando a entrada dos Mutantes no mercado estrangeiro. As músicas em português, inglês, francês e espanhol trazem um frescor que o tempo não foi capaz de macular.
Com reportagem original de Ricardo Alexandre (Barenbein), Alexandre Matias e Fernando Rosa (Duprat) e Sérgio Barbo (Dinho)
Como eu postei anteriormente Os Mutantes de volta em 2006 contando ainda com Arnaldo Baptista e Dinho para a primeira turnê de reunião e hoje com uma nova roupagem e formação sempre liderado por Sérgio ainda na ativa. Lançaram três grandes novos trabalhos: o sensacional DVD e CD Mutantes Ao Vivo - Barbican Theatre, Londres de 2006, Haih or Amortecedor de 2009 e Fool Metal Jack de 2013. Os três trabalhos fazem jus a toda discografia anterior da banda, um som de alta qualidade trazendo de volta a psicodelia, a irreverência, as misturas com os nossos ritmos tradicionais e o progressivo, porquê não?.
Mutantes 2014:
RONNIE VON MUITO DOIDO
Entre 1967 e 1970, o "pequeno príncipe" jogou a caretice para o alto e tentou subverter seu destino de ídolo adolescente gravando três discos que são verdadeiros ETs em sua carreira:
O filhinho de papai bobinho de cabelos compridos que cantava músicas bobinhas para as menininhas. "É assim, mordaz, que o próprio Ronnie Von se refere à visão clichezada sobre sua imagem, a do dândi de olhos verdes e repertório risível, de bobagens como "A praça" e versões de sucessos internacionais. O que pouca gente sabe é que, entre 1967 e 1970, o "pequeno príncipe" jogou tudo para o alto e tentou subverter seu destino de ídolo adolescente gravando três álbuns absolutamente radicais, que misturavam psicodelia, tropicalismo, acid rock, música de câmara, pré-progressivo e pop de AM. Trabalhos instigantes, produzidos à margem da Tropicália e à frente do próprio movimento em termos de sintonia com a vanguarda musical da época.
Filho de uma abastada família carioca, Ronnie estreou com uma versão para "Girl", dos Beatles, em 1965. O compacto "Meu bem" tornou-se um dos mais vendidos do ano. Então, ele gravou seu primeiro LP e ganhou um programa na poderosa TV Record, O Pequeno Mundo de Ronnie Von, transformando-se, da noite para o dia, na mais séria ameaça ao reino jovem-guardista de Roberto Carlos.
Em 1967, enquanto seus"rivais" da Jovem Guarda ainda faziam versões de sucessos internacionais com letras puris, Ronnie descobriu a gênese do que viria a ser o movimento tropicalista. Afinal, os Mutantes eram atração constante de seu programa e a interação com Caetano, Gil e Beat Boys era grande. "Ainda não existia o tropicalismo como movimento, mas eu era afetivamente muito unido a todos eles", lembra. O ídolo aproveitou os ventos de mudança para lançar um disco de capa dupla, produzido e arranjado pelos mesmos Manoel Barebein e Rogério Duprat dos tropicalistas e com os próprios Mutantes tocando em oito faixas.
"Foi o maior fracasso da história da minha vida", diz. "Minha ruína emocional".Apesar do hit "Pra Chatear", o álbum chocou o público e, logo após o lançamento, começou a ser devolvido à gravadora - os efeitos na voz de Ronnie, reprocessada via amplificador de guitarra em "Meu Mundo Azul" foram encarados como defeitos pelos lojistas.
Foi em meio ao gosto do fracasso, à pressão do sucesso e à insatisfação musical que o cantor criou Ronnie Von (1968), seu primeiro disco "pscodélico". Cortou os cabelos, juntou-se a Arnaldo Saccomani (na época assistente de produção de Barenbein e até hoje produtor de renome) e ao maestro tropicalista Damiano Cozzela, autor, entre outros, do arranjo de cordas da estréia de caetano. "Esse álbum é fruto de um sentimento de medo e vingança", define Ronnie. "Foi um desabafo pessoal, eu estava de saco cheio daquilo tudo, era uma tentativa desesperada de fazer algo que me agradasse. Foi único trabalho em toda a minha carreira o quel eu tive controle total", lembra ele.
O disco era impressionante como exercício de ousadia e liberdade artística. Na capa, uma foto de Ronnie com o torso nu, sob iluminação infravermelha, emoldurado de uma pintura psicodélica de araque. Abre agressivo e enfático, com as faixas "Meu Novo Cantar" e "Chega de Tudo", segue uma balada de letra surrealista, "Espelhos Quebrados", e um soul-rock hendrixiano de guitarras turbinadas, "Silvia: 20 Horas, Domingo". Entre as duas últimas, um jingle fictício de um certo "Bar Íris", tal qual o Who fez poucos meses antess do ambicioso Sell Out. Um álbum anárquico, refinado, inteligente, cheio de segredos e detalhes, do tipo que costumamos chamar de clássico.
Uma recepção inicialmente interessada da imprensa não foi suficiente para que o cantor pudesse dar sequencia ao seu plano de liberdade artística. "O diretor da Polydor, André Midani, disse que com radicalismos eu não chegaria a lugar algum, que o ideal seria distribuir 'pílulas' entre meu repertório, que eu poderia fazer meu disco seguinte ao lado de Cozzela, mas que seria bom incluir algumas versões", conta.
Apesar das intervenções, o álbum de 1969 ainda guardava muito da ousadia de seu antecessor, a começar pelo título: A Misteriosa Luta Do Reino Do Parasempre Contra O Reino Do Nuncamais. É praticamente de rock progressivo, com arranjos complexos, delicados, uma banda afiada (Beat Boys, de novo) e canções inspiradíssimas como a ótima "De Como Meu Herói Flash Gordon Irá Levar-Me De Volta a Alfa do Centauro, Meu Verdadeiro Lar", a bossa lounge "Dindi"e até uma versão (olha ela aí) de Ronnie e Rita Lee para "Atlantis", de Denovan, que virou "Atlântida".
O disco seguinte, A Máquina Voadora, de 1970, foi o último esforço do artista para se manter na vanguarda. Apesar do resultado desigual entre as canções, o álbum trouxe um novo hit, "Viva o Chope Escuro", e uma sonoridade cada vez mais azeitada entre arranjos de Cozzela, as idéias de Ronnie e a execução dos Beat Boys. Infelizmente, as ousadias do LP de 1968 foram se diluindo em pressões comerciais. "A partir daí, meus discos começaram a sair para cumprir contratos", admite. "Eu me sinto triste até hoje por não ter levado meus projetos adiante. Tinha tanto para mostrar, tantas idéias interessantes..."
No entanto, o brilho intenso da criatividade de Ronnie está, aos poucos, sendo redescoberto por várias bandas atuais. O Vídeo Hits regravou "Silvio: 20 Horas, Domingo" em seu CD de estréia. O Ira! incluiu "Minha Gente Amiga" no elogiado disco Isso É Amor. Mas isso não aplaca o sentimento de dever não cumprido do cantor. "Fico muito triste quando leio alguma matéria sobre a Jovem Guarda e meu nome não é citado. Gravei com todos os tropicalistas, mas, aparentemente, também não sou tropicalista. Não sou coisa nenhuma, mas gostaria de ser. Gostaria que as pessoas lembrassem que fiz parte de um momento cultural de transformações sociais profundas no Brasil e no mundo", assume, antes de arrematar, resumindo a preguiça histórica que impera no país: "Sou uma pessoa esquecida musicalmente e me ressinto muito por conta disso".
Hoje artigo de colecionador os discos de Ronnie Von foram relançados em vinil como na matéria do link abaixo:
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/08/1324422-discos-da-fase-psicodelica-de-ronnie-von-sao-relancados-como-cult-e-experimentais.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/08/1324422-discos-da-fase-psicodelica-de-ronnie-von-sao-relancados-como-cult-e-experimentais.shtml
O PARAÍSO DO BAURETS
Algumas bandas que pintaram o calidoscópio de verde-e-amarelo e escreveram a história do psicodelismo no Brasil, rompendo fronteiras e iluminando a cabeça de muita gente
Por Fernando Rosa
Em 1966, o grupo paulista Loupha ganhou o I Festival de Conjuntos da Jovem Guarda da TV Record com "I Can't Let Go, dos Hollies. Assim. chegava ao Brasil o lado colorido da "invasão britânica" que, um ano depois, explodia em lisergia, fuzz-guitar, paz, amor, flor e outros ingredientes. A juventude adotava aquele novo jeito de fazer música, mais rico, mais aberto e, principalmente, mais livre. Era a época do "verão do amor", e a psicodelia também brilhava no país do céu de anil, tomando várias direções e formas.
Imediatamente, o elo entre Sgt. Pepper's, concretismo e música regional gestou o tropicalismo, talvez a mais perfeita tradução local do gênero que surgia. Mutantes, Rogério Duprat, Gilberto Gil, Lanny Gorddin, Caetano Veloso, Gal Costa e Tom Zé estavam na vanguarda musical do planeta - o que muitos ainda hoje ignoram. Apesar de grupos como Os Baobás, The Galaxies ou Blow Up preferirem sintonizar os originais, o que prevaleceu foi a mistura. Ancorada na riqueza e diversidade musical do Brasil, o espírito psicodélico seguiu se expandindo de tal maneira que absorveu e influenciou a MPB, a música regional e até mesmo o samba.
Em pouco mais de uma década, o calidoscópio verde-e-amarelo registrou a psicodelia clássica do Spectrum, o folk barroco da Barca Do Sol e o repente envenenado de Lula Côrtes & Zé Ramalho, entre outras misturebas originais. Um espectro que, assim como lá fora, também incorporou o som progressivo de bandas como Módulo 1000, Moto Perpétuo ou O Terço. Na segunda metade dos anos 70, a implosão punk enfiou tudo no mesmo saco e transformou, por uns tempos, a psicodelia e os correlatos em velharia de museu cultuada por especialistas. Aos poucos, no entanto, o gênero foi sendo resgatado e, novamente, incorporado aos mais variados estilos musicais, do tradicional Violeta de Outono à "afrociberdelia" de Chico Science & Nação Zumbi.
Algumas dessas bandas tiveram reedições especiais graças a selos independentes (Baratos Afins, especialmente), ou passaram a frequentar sites especializados - nacionais, como Rato Laser, ou estrangeiros que, no caso de selos, chegaram a relançar álbuns, como ocorreu recentemente com o LP do Módulo 1000. Mas, na maioria dos casos, permanecem no mais absoluto anonimato. Nesse Flash back estão as principais bandas e intérpretes que escreveram essa história, rompendo com as fronteiras musicais e iluminando a vida de muita gente.
Beatniks
Legenda do rock paulistano, foi o grupo de palco do programa jovem guarda e, ao mesmo tempo, responsável por surpreendentes compactos garageiro-psicodélicos. Entre 1967 e 1968, gravou quatro disquinhos contendo covers para Turtles ("Outside Chanhe"), Them ("Glori") e Jimi Hendrix ("Fire").
Código 90
Formada em 1967, agitou as domingueiras do Clube Pinheiros, em São Paulo, e deixou apenas um compacto. "Não Me Encontrarás"/"Tempo Inútil".
Os Baobás
Antecipou a chegada do hit "Light My Fire" (The Doors) ao Brasil, em gravação que contou com o futuro baixista dos Mutantes e produtor Liminha no baixo. Inicialmente beat, enveredou pela psicodelia "importada", que resultou na gravação do único álbum em 1968, contendo diversos covers (como "Oranges Skies", do Love). Também lançou cincco compactos, com destaque para a versão de "Paint It Black" (Rolling Stones), "Pintado de Preto". O grupo tocou com Ronnie Von, com o tropicalismo, acompanhando Caetano Veloso em Shows, em substituição aos Beat Boys.
Beat Boys
Um misto de brasileiros e argentinos radicados em São Paulo, o grupo Beat Boys ficou conhecido por acompanhar Caetano Veloso em "Alegria Alegria" no Festival da Record. Gravou somente um álbum pela RCA Victor, em 1968, contendo "Abre, Sou Eu"(Billly Bond) e covers radicais como "Wake Me, Sha Me" (The Blues Project)
Blow Up
Nascido em Santos com o nome The Black Cats, começou tocando rock instrumental, passou pela beatlemania e, no fim dos anos 60, acabou na psicodelia. Inspirado no filme homônimo de Antonioni, trocou de nome e gravou dois álbuns com a nova orientação: o primeiro em 1969 e o segundo em 1971, chamado apenas Blow Up, mas também conhecido como Expresso 21.
Damião Experiênça
Autodefinindo-se como doidão e influenciado por Jimi Hendrix, produziu raros e surpreendentes discos, misturando psicodelia, blues, sons afro-orientais, guitarras Frank Zappa e letras absurdas e incompreensíveis. Lançou seu primeiro disco em 1974, intitulado Damião Experiênça No Planeta Lamma, que abriu caminho para outras clássicas raridades, como Damião Esperiença Chupando Cana Verde no Planalto Lamma e Em Boca Calada Não entra Mosca, Só Felicidade.
Flaviola E O Bando Do Sol
Representante da geração nordestina pós-tropicalismo. Pernambucano, Flaviola E O Bando Do Sol gravaram apenas um álbum, lançado pelo selo local Solar, em 1974. Com base em ritmos regionais, produziram um raro mix de folk-rock-psicodelia, que permanece com extrema atualidade. Instrumental rico, na base de violões, violas, guitarras, flautas e percussão.
Som Imaginário
Passeou com maestria nas fronteiras da psicodelia e do progressivo com a moderna MPB e toques de Jazz, produzindo clássicos do gênero, como "Super God", "Morse" ou ""Cenouras" ("vou plantar cenouras na sua cabeça"...). Gravaram os discos Som Imaginário (1970), Som Imaginário 2 (1971) e Matança Do Porco (1973). Os três LPs foram relançados conjuntamente em CD em 1998, pela gravadora EMI, enquanto a música "Super God" foi incluída na coletânea Love, Peace & Poetry - Latin American Psycodelic Music, do alemão Q.D.K Media.
Bango
Um dos raros grupos a demonstrar explícita influência dos Mutantes, que pode ser conferida em seu único álbum, de 1971. Peso, fuzz-guitar e letras viajandonas produziram um som com qualidade internacional.
A Barca Do Sol
Botou para quebrar na cena underground em meados dos anos 70, produzindo uma refinada mistura de MPB, sonoridades progressivas/psicodélicas, instrumental quase barroco e poesia. A apresentação das músicas do LP Durante O Verão, em forma de cardápio, define o clima da banda: "O Banquete" (sal de frutas, Sargent Pepper's, sopa de cabeça de bode), "Beladonna, Lady Of The Rocks" (cogumelos, candomblé, corações solitários)... Espécie de padrinho do grupo, Egberto Gismonti produziu o primeiro álbum, que introduzia o uso de sintetizador em duas faixas, novidade na época. Gravaram três discos: A Barca Do Sol (1974), Durante O Verão (1976) e Pirata (1979), os dois primeiros reeditados no formato dois em um.
Ave Sangria
Foi uma das principais e mais radicais bandas na onda da "invasão nordestina", misturando sonoridades regionais, blues e rock com roupagem psicodélica. Gravou apenas um luminoso e instigante álbum, destacando as faixas "Dois Navegantes", "Momento Na Praça", "Cidade Grande" e a instrumental "Sob O Sol De Satã". Lançado pela Continental em 1975, Ave Sangria foi reeditado em vinil em 1990 (pela Baratos Afins), mas permanece inédito no formato digital.
O Terço
Banda conhecida como representante do Rock Progressivo Brasileiro na ativa até hoje com mais
de 15 álbuns lançados desde 1969. Em 1973 lança o seu segundo álbum intitulado apenas "Terço" um disco totalmente psicodélico do começo ao fim, misturando guitarras distorcidas, percussão, instrumentos de sopro e muito mais, O lado B é mais psicodélico ainda uma suite dividida por temas viajandonas e um instrumental inspirado: "Amanhecer Total", "Sons Flutuantes", "Respiração Vegetal", "Primeiras Luzes No Final Da Estrada" e "Cores" completam o lado B do disco.
TRADIÇÃO EM TECNICOLOR
Aos trancos e barrancos e assumindo diversas formas,
a lisergia musical sobreviveu no país nos anos 80 e 90
O que dizer de psicodelia nos anos 80? O rock de calça curta de Blitz, Lulu Santos, Paralamas e Kid Abelha mal conseguia expandir seus horizontes ouvindo FM, que dizer de tomar LSD. Dos poucos que fugiam a essa regra, o paulistano Violeta de Outono era(ou melhor, é) o grande bastão do psicodelismo oitentista no Brasil, traçando claramente suas origens (explecitadas de forma didática no EP Early Years, com versões para Beatles, Rolling Stones, Pink Floyd e Gong). Liderado por Fábio Golfetti, o trio ainda contava com Angelo Pastorello no baixo e com o baterista Cláudio Souza e era responsável por Shows de puro dinamismo saudosista, fazendo com que toda uma geração tivesse contato mais próximo com o histórico verão do amor. Gravaram oito álbuns até hoje e dois DVDs.
Se o Violeta era o estranho no ninho do universo chiclete-refrigerante-praia do rock anos 80, Psicoacústica, o terceiro disco do Ira!, de 1987, era um verdadeiro alien. Nele, o quarteto encarava a árdua tarefa de trazer a psicodelia para dentro do universo mod, abrasileirando os dois ao mesmo tempo. O filme O Bandido Da Luz Vermelha, de Rogério Sganzela, funcionava como vínculo nacionalista em relação às duas referências sessentistas confessas do grupo, enquanto o disco reunia elementos de repente, rock pesado, hip-hop, ska e pós-punk. Ousado, o álbum era muito hermético para se declarar psicodélico ortodoxo, mas a capa (que vinha acompanhada de óculos 3D, para não dar segundas opções quanto à sua natureza lisérgica) e a guitarra de Edgard Scandurra garantem sua inserção na heroica geração que cresceu após o auge dos progressivos.
O gênero entrou nos anos 90 sendo usado por duas das principais bandas da nova safra por meio da lógica Spacemen 3 (tomar drogas para fazer música para tomar drogas para...): Chico Science & Nação Zumbi e Planet Hemp usam o nome psicodelia mais como adjetivo farmacêutico do que musical. O primeiro puxa o sufixo "delia" de psicodelia para compor rótulo/título Afrociberdelia e o segundo como um dos elementos de sua equação sonora ("raprockandrollpsicodeliahardcoreragga").
Porto Alegre sedia grande parte da produção psicodélica atual, centralizando esse sistema planetário no solitário Júpter Maça, Flávio Basso, ex-Cascavelletes, traduziu o nome da gravadora dos Beatles e o apelido do avô, cunhando um pseudônimo para uma persona folk, que se tornou um alter ego viciosamente lisérgico. Com a cabeça metida na Swinging London, Júpter presenteou o público com uma aula de rock clássico, seja em disco (no excelente Sétima Efervescência), seja em shows, citando Mutantes, Beatles e Kinks como tripé básico ao compor e mimetizando Who e Pink Floyd (fase Barret, claro). Mas a psicodelia gaúcha vai muito além da órbita de Júpter, encontrando metamorfoses diversas em diferentes planetas. O já lendário Plato Dvorák é sua vertente mais ortodoxa, venerando todas as faces daquele diamante chamado 1967 em grupos diferentes como Lovecraft, Frank & Plato (ao lado do caubói espiritual Frank Jorge) e Momento 68. A extinta Graforréia Xilarmônica dava ácido para as donas de casa e as fazia assistir à televisão, em delírios pop psicobregas que se incorporaram ao cancioneiro riograndense.
Os The Dharma Lóvers levam a melancolia pastoril do gênero para o templo de Budista, misturando haicais metafísicos e o discurso surreal típico desse estado de consciência.
Já no campo da desconexão, entramos em São Paulo pelo bairro Ademar, que reúne parte de um grupo de novos boêmios revivendo o underground da geração beat - leia-se drogas e conversas sobre drogas. O braço sonoro desse pólo cultural atende pelo nome de Os Jerrssons e seus shows consistem em jams interativas sobre o efeito introspectivo de diferentes substâncias. Na mesma São Paulo, encontramos uma cena que venera o meio de década de 60 que fundiu, nos Estados Unidos, soul, surf music, tosqueira e psicodelia.
Embora essa cena possa ser resumida pelo denominador comum que é o rock de garagem, seu braço psicodélico é representado por grupos como Skywalkers, Flaming Salt, Effervescing Elephant, Os Espectros e Cedar Lunen. Além claro do pai de todos, Sandro Garcia, que criou sua reputação no estritamente mod Charts, mas deixou percorrer sua verve psicodélica com o Momento 68.
Inicialmente um projeto em dupla com o gaúcho Plato Divorák, o grupo foi tomado por Sandro após desavenças de bastidor e logo lançou um disco de versões que explicitariam suas intenções: no repertório temos Troggs, Love, Syd Barret, Who... Não esquecendo que em seu trabalho de estréia - Onde Estão Suas Canções?, de 1998 - recuperava magistralmente "Abre Sou Eu", dos Beat Boys.
Isolados do resto do país, temos os Vibrossensores, no Rio, que tropicalizam o Krautrock numa estranha, mas lógica, fusão de bossa nova, vanguarda e psicodelia. E, é claro, os alagoanos do Mopho, o maior nome da psicodelia brasileira atual. Centrados na era de ouro do expansionismo cerebral via química, o Mopho levanta as bandeiras multicoloridas dos Mutantes e dos Beatles num movimento retrô que se justifica logo que o grupo põe seu flashback musical em ação. São o maior nome atual de uma tradição brasileira menosprezada pela história por não ser tão "nacionalista" (ou seria melhor dizer "umbilical") como tropicalismos, MPBs, Clubes da Esquina, Grandes Encontros, Turmas da Colina ou Noites Tropicais, mas que existe e não pode ser negado. Longa vida à psicodelia brasileira!
Por Alexandre Matias
Fontes: Revista Showbizz, Edição 184 - Ano 15 nº11 - novembro de 2000, Wikipédia, Youtube e recortes velhos do meu acervo pessoal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário