Ultimamente venho me encantando com produções Brasileiras de documentários e filmes que resgatam um pouco da memória de uma época realmente rica de nossa cultura, este país que é tão desmemoriado pelo menos agora poderá conhecer, relembrar e curtir está época e o seus representantes. O primeiro deles é Tropicália, um documentário sensacional sobre este movimento musical, artístico que literalmente personifica a antropofagia de Oswald de Andrade em uma linguagem de vanguarda numa época de repressão por parte da Ditadura Militar tanto quanto pela juventude nacionalista de esquerda, conservadora.
“O nome de um movimento só existe enquanto o movimento existe e o Tropicalismo não existe mais como movimento.” É com essa veemente frase de Caetano Veloso em uma entrevista para a televisão portuguesa em 1969, que o documentário Tropicália tem seu começo. Vamos, camaradas: arregacem as calças e subam os vestidos!
Tropicália – o filme, retrata o panorama político e, principalmente, cultural de 1967 a 1969, os anos de ouro doTropicalismo – apesar de acreditar que a última data pode ser estendida para a eternidade. Com uma rica pesquisa de foto, vídeo e áudio – vários deles inéditos até mesmo para os próprios tropicalistas – o documentário é, segundo o diretor, o filme definitivo sobre a Tropicália. Será? Prossigamos a leitura.
Por entre fotos e nomes, o diretor Marcelo Machado vai sem lenço, mas com muitos documentos. Começando em 1967, ele busca no III Festival da Música Popular Brasileira da TV Record, o começo de uma revolução.
No mesmo período, em 17 de julho daquele ano, há a passeata contra a guitarra elétrica – na qual, ironicamente, Gilberto Gil, que usou guitarras elétricas em sua apresentação no festival, acompanhou seus amigos Jair Rodrigues, Edu Lobo e Elis Regina. Esta era uma passeata organizada pelas gravadoras de música brasileira tradicional, com o intuito de alfinetar a rincha já existente entre a MPB e a Jovem Guarda.
Não obstante, temos a estreia de Gil, Caetano e Gal com o tropicalismo na apoteose musical da Record, quando introduziram guitarras elétricas e orquestra à música popular e agregaram a tão comentada antropofagia cultural, a fim de tornar a música algo único, universal. Mesmo com iniciais torções de nariz, foram ovacionados e obrigados ao bis.
Foi nesse mesmo período, o auge de Glauber Rocha, com o cinema novo. Ele mesmo, que compartilhou o nascimento do movimento nas confrarias baianas, disse em entrevista “Eu já estou de saco cheio desse negócio de Tropicalismo”. Também, o encontro com José Celso Martinez Correa, o Zé Celso, e seu Teatro Oficina, que participou de maneira notória para a concretização do movimento. Além, é claro, do artista plásticoHélio Oiticica com sua intervenção Tropicália, que nomeou o movimento.
Já em 1968, depois do homérico discurso de Caetano no IV Festival da MPB em que avisa ao público “Vocês não estão entendendo nada! Nada!”, Marcelo mostra o período mais sombrio da Ditadura Militar, quando o presidente Costa e Silva decretou o Ato Inconstitucional nº 5. A partir daí, tudo ficou mais difícil, até para os músicos. Muitos foram torturados, muitos foram presos e, obviamente, exilados.
E foi justamente no caminho do exílio que Gil e Caetano se apresentaram em um programa de televisão português durante um parada em Portugal antes de seguirem viagem ao destino final, Londres. Nele, o apresentador pediu a Caetano que explicasse para o público o que era o Tropicalismo. Foi quando Caetano respondeu com um longo e hesitante “Well…”.
Já instalados na capital britânica, os heróis da Tropicália – de maneira alguma me esquecendo do rei Rogério Duprat, do profeta Tom Zé e dOs Mutantes, mas entendam a parcimônia – participaram do Festival de jazz na Ilha de Wight, onde Janis Joplin e Jimi Hendrix iriam se apresentar. Em imagens até então inexistentes, Caetano cantarola uma bela canção de seu LP de 1971, Shoot me Dead, com Gil e vários amigos músicos, nada diferente dos ensaios em seu recanto no recôncavo baiano.
(Momentos antes, no camarim de Hendrix, os dois foram convidados a conhecer o rei da guitarra elétrica. Depois que Jimi foi para o palco, Veloso comentou com Gil “Rapaz, esse cara parece os mulatos lá de Santo Amaro…”)
Quando, em 1970, puderam voltar para as janelas e portas abertas do país tropical, Gil e Caetano foram recebidos de braços abertos. Festejando o retorno, Gil compôs a emblemática canção Back to Bahia (De volta para Bahia) saudando aqueles mesmos braços molhados de saudade. E foi na festa de aniversário de seu filho Pedro, que Gil a tocou para seus amigos. Mas não sem registro. Esse é outro vídeo inédito que vemos junto com os dois pela primeira vez. E vemos, além disso, as suas reações ao verem as imagens. O sorriso dos baianos não cabe no rosto, assim como a emoção nos olhos.
Rico em recursos gráficos, entrevistas e, claro, com uma impecável trilha sonora, Marcelo Machado conseguiu. Ele conseguiu nos emocionar e nos transferir, de alguma maneira, àquele momento tão efervescente e antropofágico dos anos 60. Além disso, ele deixou em cada um de nós, espectadores, um resíduo a ser assimilado e refletido. Enfim, uma bela homenagem ao Tropicalismo. Mas definitivo? Enquanto há vida, há tempo. E quer saber? Viva Cacilda Becker!
Veja aqui o trailer de Tropicália, o filme
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